Na perspectiva de Boaventura de Sousa Santos, o Direito pode assumir caráter de alteração da sociedade por meio da emancipação social, isto é, a ordem jurídica pode alterar e reformular o seio social e suas problemáticas. Uma evidência desse pensamento consiste no estabelecimento das cotas raciais para o ingresso ao ensino superior público.
Nesse sentido, percebe-se que a modificação na estrutura de ingresso reflete uma tentativa de emancipação social da população negra, vítima das amarras racistas da sociedade contemporânea brasileira.
Nota-se que as raízes do problema social marginalização dos negros encontram-se no período escravagista e no seu findamento sem políticas de inserção social dos negros. À luz disso, edifica-se o atual contexto de invisibilidade social dos negros e ausência de uma democracia étnica, de modo que se estabelece um fascismo do apartheid social: o ambiente social pauta-se numa cultura de intolerância e de preconceito, imbutida num afastamento físico entre negros e brancos.
Nessa toada, a perspectiva das cotas raciais tendem a suprimir tal contexto de précontratualismo dos negros: tal artifício busca canalizar esse povo no sistema capitalista por meio de facilitar o acesso à qualificação profissional, de modo a imbutir uma maior projeção social e o fim da obstacularização da cidadania efetiva.
Contudo, é notório que a lógica de inserção do negro na sociedade segue uma ótica mercadológica, essencialmente aprisionadora da condição humana. Isto é, a perspectiva das cotas raciais atrela o ingresso ao ensino público como forma de futuro sucesso financeiro, conquistado via ingresso ao mercado de trabalho, e, por extensã, de sucesso social. Por seguir uma ótica mercadológica, não humana, urge questionar: o negro egresso terá as mesmas condições de competição no mercado de trabalho com o branco? O caráter retórico evidencia que o Direito, quando mal aplicado ou lacunar, pode ser instrumento de uma emancipação social ineficiente ou até mesmo de uma regulação social, afinal as cotas raciais, apesar de possuirem um grande peso emancipatório, podem ser problematização como solução efetiva para a integração do negro no contrato social.
Ademais, Boaventura analisa criticamente a relação entre o capitalismo e a sociedade. Nessa perspectiva, ele vislumbrar que a projeção social atrela-se à participação na maquinaria do capitalismo, uma vez que a instabilidade social é apontada como um dos pilares da manutenção da estabilidade econômica e do próprio sistema capitalista.
Sendo assim, as cotas raciais são necessárias para saldar o crédito de séculos de précontratualismo da população negra. Entretanto, cabe ao Direito a percepção da complexidade e profundidade do assunto racismo, de modo que busque tutelar e edificar direitos sólidos para o efetivo processo emancipatório dos negros. No bojo disso, caso o Direito se destitua da perspectiva de regulação social, tão atrelada à ótica mercadológica, e passe a adotar uma visão humanista e integradora, os negros não mais sentirão na pele a canção "como nossos pais" de Elis Regina: não serão os mesmos e não viverão como seus pais.
Link da música: https://www.youtube.com/shared?ci=Dzkf4XVOahI
Luiz Henrique Garbellini Filho - 1° ano Direito Diurno
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