terça-feira, 22 de novembro de 2016

A vida num talk show

[APRESENTADOR] Boa noite, boa noite! Muito boa noite a todos! Estamos aqui hoje com uma roda de conversa extremamente especial para debater um caso tão especial quanto. Senhoras e senhores, uma salva de palma aos nossos convidados:
[Entram Temis, Barroso, a Constituição de 88, o STF]
[APRESENTADOR] Pois muito bem. O caso que trataremos hoje vai tocar o coração de vocês. Quem aqui já se apaixonou?
[AUDIÊNCIA BATE PALMAS]
[APRESENTADOR] Quem aqui se casou com o amor da sua vida?
[MAIS PALMAS]
[APRESENTADOR] A história de hoje é uma história de amor... Com reviravoltas. Imagine ser impedido de casar-se com ele/ela!
[AUDIÊNCIA FAZ MUXOXO DE DECEPÇÃO]
[APRESENTADOR] Pois foi justamente o que houve com nosso infortúnio casal ao tentar casar-se no civil. Vocês veem, senhoras e senhores... Eles são do mesmo sexo.
[PALMAS EM APOIO]
[APRESENTADOR] Isso! Muito bem, muito bem. Mas nem todos pensaram assim. Constituição de 88, por que você não começa falando o que acha a respeito?
[CF 88]
[APRESENTADOR] Não seja tímida!
[CF 88] ...
[STF] Ela é tímida. Se você me permite...
[APLAUSOS VIGOROSOS VINDOS DA PLATEIA]
[APRESENTADOR] Uau, quanta empolgação!
[STF RI COM MODESTIA]
[APRESENTADOR] Antes de começarmos, você poderia nos explicar o segredo de tamanha popularidade?
[STF] Bom, antes de mais nada, eu quero ressaltar que não é puramente mérito meu. O Brasil é um país que tem por noção comum que um Judiciário forte é fundamental para a manutenção da paz.
[PLATEIA APLAUDE]
[STF] Obrigado, obrigado! Eu me esforço!
[APRESENTADOR] Pois sim. Mas é só isso? Só prezar pela paz?
[STF] Bom, não. Meus colegas poderes também contribuem muito para a minha posição. Veja bem, a política do país tem essa qualidade de desacreditada, sim? Eu verso sobre os temas polêmicos que meus colegas - que deveriam fazê-lo - evitam, por medo da opinião popular. Então, gostaria de pedir uma salva de palmas para a CF 88 e para a Política (que infelizmente não pode estar aqui hoje devido à crise de representatividade)
[APLAUSOS FERVOROSOS]
[BARROSO INCLINA-SE PARA O MICROFONE] Eu poderia?
[APRESENTADOR] Por favor!
[BARROSO] Eu só queria fazer uma ressalva quanto às diferenças entre essa judicialização (que ele acaba de explicitar os motivos) e o ativismo judicial. Vejam bem: a judicialização  é bem aceita, e pode ser necessária. A maior parte da população prefere que o Judiciário verse sobre os temas polêmicos em detrimento ao Legislativo ou Executivo. Mas há uma linha tênue entre fagocitar uma competência de um dos poderes e valer-se de controle de constitucionalidade para intrometer-se e limitar os outros.
[STF FAZ UM MUXOXO]
[BARROSO] É inegável que a CF pede por interpretação, já que não fala por si. E sua omissão é uma grande perda no rol de direitos naturais dos, por assim dizer, "novos" (recentemente reconhecidos) grupos sociais que o texto original não contempla.
[CF ENCOLHE-SE, STF ESTUFA-SE]
[BARROSO] Como tudo na vida, há limites para essa interferência. Mas, desde que judicialização e não ativismo judicial, a demanda social fala por si mesma no quesito necessidade.
[PLATEIA APLAUDE VEEMENTEMENTE]
[APRESENTADOR] Uau... Obrigado pela posição tão esclarecedora. Mais uma salva de palmas, senhoras e senhores!
[APLAUSOS]
[APRESENTADOR] Mas como você dizia...
[STF] Ah, sim! O infortúnio casal do começo da história deparou-se com a CF 88 - e com seu silêncio. Como eu e Barroso colocamos, a situação classifica uma polêmica. E, como tal, resolvi - precisei - intervir. Quem pode condicionar o direito de amar a uma visão de quase 30 anos atrás, não é mesmo?
[APLAUSOS DE PÉ]
[APRESENTADOR] Muito calor vindo dessa plateia hoje! Você poderia contar para a gente um pouco mais sobre como conseguiu essa façanha?
[STF FAZ UM SINAL E CHEGAM VÁRIAS CAIXINHAS DE PRESENTE NO PALCO]
[STF] Esta daqui [PEGA UMA CAIXINHA] é a ADI 4.277. Esta outra [PEGA OUTRA], a ADPF 132. Elas são decisões que eu tomei [PAUSA PARA SUSPENSE]. Juntas, elas reconhecem a união estável e civil de casais homoafetivos.
[APLAUSOS, MUITOS APLAUSOS]
[STF] Vocês pediram, e eu trouxe-as para vocês! [JOGA AS CAIXINHAS DE PRESENTE PARA A PLATEIA]
[PLATEIA VAI A LOUCURA E CARREGA O STF PELO ESTÚDIO]
[APRESENTADOR] Ok, ok! Adoramos finais felizes, mas vamos colocar meu convidado no chão, sim? Muito bem... Voltando para a cadeira!
[STF SENTA-SE, RINDO]
[APRESENTADOR] Eu não fazia ideia que sua popularidade era tamanha! Você se consideraria, assim, um justiceiro das minorias?
[STF SE ENDIREITA] Dificilmente um justiceiro. Sou invocado por necessidade - embora o que faço seja, por vezes, nobre. Acontece que, se um de meus irmãos é omisso ante a uma injustiça... Acabo entrando em cena a pedidos, entende?
[APRESENTADOR] Um super herói por encomenda, seria?
[BARROSO RESMUNGA] Com limites, com limites
[STF] Com limites, de fato.
[APRESENTADOR] Uma última pergunta antes de encerrarmos a noite: como, exatamente, e nesse caso, especificamente, você faz as minorias serem vistas pela lei?
[STF] Não é pela lei o meu foco.
[STF LEVANTA-SE, VAI ATÉ TEMIS E TIRA-LHE A VENDA]
[STF] É, primeiro, uma questão de justiça. Não há como sermos iguais se há quem não seja ao menos contemplado pela lei para ter direito a essa igualdade.
[STF RECOLOCA A VENDA E SENTA-SE EM SEU LUGAR]
[STF] E o somos. Não podemos nos esquecer disso.
[APRESENTADOR] Muito obrigado a todos e boa noite!
[SALVA DE PALMAS]
[FADE OUT]

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