terça-feira, 8 de novembro de 2016

A improcedência da discriminação e o Direito emancipatório de Boaventura.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pelo partido Democratas - DEM, tinha como objetivo declarar a inclusão de cotas raciais de 20% do total de vagas, no vestibular da UnB, como fato não recepcionado pelo texto constitucional. Tal descumprimento de preceito fundamental alegado fundamentou-se em princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, o repúdio ao racismo, a igualdade de condições, a autonomia universitária e a meritocracia. A decisão do judiciário foi no sentido de julgar improcedente a ação, como se observa da ementa do acórdão. 
Nota-se, a partir da fundamentação apresentada pelo DEM, uma nítida inversão dos valores expressados na Carta Constitucional e uma manipulação da legislação, a favorecer o que se pretendia pleitear. Tamanha inversão também se vê no uso de trecho do famoso discurso "I have a dream", de Martin Luther King Jr., que tinha a intenção de eliminar as desigualdades entre negros e brancos nos Estados Unidos. 
Afirma-se aqui que toda a argumentação do DEM é contrária ao que se pretendia defender com os dispositivos citados, pois defende-se que as políticas públicas e ações afirmativas a favor do negro não são mais que um meio de correção das desigualdades reiteradas por séculos, desde a escravidão colonial e até mesmo após a abolição, uma vez que houve um vazio histórico no período por não ter sido proporcionado formas desse negro ter autonomia, cidadania e participação de fato na vida política e social, além da falta de acesso à educação. 
Para que se tenha igualdade de condições, princípio alegado pelo DEM, é preciso que se forneçam cotas raciais, já que o negro, historicamente, encontra-se em desvantagem. A desigualdade aconteceria ao se ignorar a história do país e assumir que existe igualdade de oportunidades, o que seria um absoluto fechar de olhos à realidade fática. Além disso, sabe-se que a meritocracia, outro princípio invocado no ADPF, ignora as distinções de oportunidade e de acesso à educação causadas pela desigualdade de renda e pela realidade histórica supracitada. Logo, restam inócuos tanto a argumentação quanto o pedido feitos pelo DEM. 
Boaventura de Sousa Santos, em "Poderá o Direito ser emancipatório?", acredita na possibilidade proposta já no questionamento do título e afirma que só a partir da modernidade é que se pode transcender a modernidade. Com isso, quer dizer que, uma vez que a modernidade se mostra excludente e individualista, negligenciando a participação e a solidariedade, só será possível transformá-la a partir da forma que ela se apresenta, ou seja, a partir da transformação do status quo atual, que, no caso exemplificado, seria com o estímulo à participação e à solidariedade. 
 Transpondo tal pensamento ao caso citado, vê-se que o judiciário, especificamente nessa decisão, atuou como medida emancipatória ao manter as cotas. Entretanto, no mérito da ADPF utilizou-se do próprio Direito, ainda que equivocadamente, para embasar uma tese discriminatória e excludente. Acredita-se, aqui, no caráter ambivalente do Direito, que apresenta-se tanto como método emancipatório, quanto como repressor. Essa ambivalência é citada por Boaventura, ao dizer que o Direito se ergue conforme dois pilares regulatórios restritivos: mercado e Estado. Defende-se, ao fim dessa exposição, que o Direito atuará num sentido a depender da forma como é aplicado e do interesse que é protegido no momento, tanto por quem edita as leis, quanto por quem as aplica. 

MARINA ARAUJO DA CUNHA - DIREITO - DIURNO, 1º ano.

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