terça-feira, 25 de outubro de 2016

Racionalidade e desumanização do ser humano.

                 Max Weber buscou entender as mudanças de sua época advindas da Revolução Industrial, em consequência desenvolveu uma linha de pensamento que relacionou as mudanças estruturais, culturais e sociais da modernidade com a construção do capitalismo e o crescimento dos meios urbanos. Para o autor a lógica cristã possibilitou o desenvolvimento do sistema de produção capitalista e o crescimento do capitalismo resultou na racionalização do mundo social, a preocupação de Weber foi compreender o processo pelo qual o pensamento racional impactou nas instituições modernas. A racionalização do Direito foi uma consequência desse processo de racionalização, a aplicação da disposição jurídica a uma constelação de fatos concretos converteu-se em instrumento para a classe dominante, que utilizou o sistema e a administração legal para a manutenção do capitalismo.

            A lógica cristã, a racionalização do mundo social, a manutenção do sistema capitalista e a racionalização jurídica a favor da classe dominante são elementos fundamentais para entender as questões de gênero envolvendo as pessoas transexuais e suas lutas judiciais para alteração do registro civil e realização (através do Sistema Único de Saúde) da cirurgia de transgenitalização.

            Segundo a racionalidade substantiva de Weber, que interpreta a realidade social em função dos valores, a decisão do Juiz da Comarca de Jales deferindo a tutela antecipada deveria ser reformada, uma vez que é incompatível com os valores da sociedade brasileira, majoritariamente cristã e transfóbica. Essa decisão também foi contraria a racionalidade prática Weberiana, que interpreta a realidade social em função dos interesses dos atores sociais, tendo em vista que é de interesse da classe dominante a manutenção da problemática de gênero, por se tratar de um dos pilares fundamentais para divisão da sociedade e atribuição de diferentes valores para a força de trabalho dos componentes de cada grupo social, visando o aumento do lucro.

            No entanto analisando o caso utilizando-se do conceito de racionalidade teórica, que busca o conhecimento da realidade social, e de racionalidade formal, que interpreta a realidade social em função das regras prévias, o entendimento do Juiz foi correto, tendo em vista que através de um exercício de hermenêutica o Magistrado deduziu o direito à identidade, como um direito fundamental implícito no Art.5 § 2 da Constituição Federal, além de ser um direito amplamente reconhecido pela jurisprudência e doutrinas nacionais e expressamente consagrado em tratados internacionais.

            No entanto, ainda que reconhecido judicialmente, a obrigação do Estado de realizar a cirurgia é questionada utilizando-se de argumentos de uma lógica capitalista e simplista que alega que o SUS não tem logrado êxito no atendimento de questões básicas de saúde, na maioria dos casos a real motivação desse questionamento é a transfobia, uma vez que a precariedade da saúde no Brasil se deve principalmente a má gestão, corrupção e ao baixo investimento público (o Brasil investe cerca de 490 dólares por pessoa por ano em saúde, em comparação com Canadá 4 mil dólares, Inglaterra 3 mil dólares, Argentina 700 dólares e Chile 550 dólares).

            Em instância superior a decisão do Juiz foi reformada, negando o direito à alteração do registro civil e realização da cirurgia para a requente, desse modo atendendo aos interesses de uma sociedade capitalista e cristã, que ao invés de racionalizar o mundo social de maneira empática e humana, prefere patologizar a diferença “desumanizando o ser humano”.

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