segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Naji, o gigante do pé de feijão


Amanhece na fazenda de Naji
Ele vê tudo de cima.
Fuma um cigarro
Que exala fumaça lacrimogênia.
Vai mascando um pedaço de capim
E sente na boca gosto de sangue.
Cospe. Ignora.
Naji é um gigante sobre um pé de feijão
Um feijão que não alimenta ninguém.
A posse do pé se especula,
Mas Naji continua a reinar.

Então, aqueles que tinham fome,
Aqueles que não tinham feijão,
Nem garantias,
Ousaram tomar um naco do feijão do gigante.
Apodrecia no pé e não tinha função.
Um naco pequeno que alimentava tanta gente.

O tempo passou.
Eles iam comendo. Seguiam alimentados e organizados.
Mas um dia o gigante olhou para baixo.
Viu que ali tinha gente se alimentando da sua posse.
Sopraram ao seu ouvido que seu pé ganhara mais valor.
A fúria de Naji. A ação.
- Saiam todos daí! Saiam todos!
Gritava o gigante com seu grave de monstro.

Instalou-se a briga.
De quem seria a massa branca, falida, do feijão?
Reintegração da posse.
Os donos do poder diziam saber do direito:
“O direito é o reino da liberdade.
A chave para o estado moderno.
Afinal, a lei submete até o soberano.”
Assim assinavam os donos das leis.
Mastigavam Hegel e vomitavam privilégios.

Só que para aqueles esfomeados aquele naco tinha muito valor.
O valor da vida, da dignidade e do não passar fome.
Que direito era aquele?
A justiça dos poderosos era a propriedade.
A justiça dos esfomeados era ter o de comer.
Então eles diziam aos seus opressores:
“Esse direito não nos serve.
Vocês compõem a máquina da dominação.
Querem ficar aí em cima e por isso nos prendem nas leis.
As leis que vocês criaram. Para vocês e por vocês. ”

Abafados.
Um tal de Marx foi calado.
Não carecia de nenhum um piu.
Muita gente visava aqueles feijões.
Os que apontavam o direito como Deus,
O ópio dos gigantes,
Distorceram, manipularam. Por fim, venceram.

Era domingo.
Era dia de criança brincar. Pai aproveitar pra dormir um pouco.
Aquele dia ia ter frango com feijão.
Um estrondo ecoou no espaço.
Cegou os olhos expectantes.
Rompeu com os afãs e perspectivas.
A Guernica de choro brasileiro.
O feijão que alimentava aquela gente estava debaixo dos escombros.
E ali debaixo também tinha histórias.
Também tinha a justiça social.
Dizem até que se encontrou um exemplar da Crítica Marxista.

Gás, tiros, braços de aço.
Lá se foi o povo, pro canto de onde não deviria ter saído.
Foi caminhar sobre mil cacos de vidro.
Até ser engolido pelo chão.
Enquanto juízes e feijão apodrecem no pé.


José Eduardo Adami de Jesus, 1º Direito(noturno)




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