sábado, 22 de outubro de 2016

Insulto ao padrão social

Na cidade de Jales, interior de São Paulo, um caso de tutela antecipada de transgenitalização foi deferido em primeira instância pelo juiz Fernando Antônio de Lima da vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales. A requerente recorreu ao judiciário para conseguir a cirurgia de mudança de sexo pelo SUS, bem como a mudança do prenome e do gênero nos seus documentos de identificação. A infelicidade, a não correspondência do gênero com o sexo biológico, o constrangimento de por vezes ter de admitir a identidade masculina perante a sociedade, o deslocamento e o não pertencer ao padrão coletivamente imposto foram fatores que contribuíram para a debilidade da saúde mental e para a busca da tutela referida pela autora. Ela se encontrava em quadro de depressão pelos preconceitos e estresses vivenciados, só pelo fato de ser como é, que poderiam levá-la ao suicídio, fez acompanhamento psicológico e psiquiátrico há anos, os quais ratificaram a real necessidade da transgenitalização.

É inquestionável que a sociedade pós-moderna vivencia uma padronização de comportamentos, valores, culturas e pretende estabelecer uma racionalização universal causando sofrimento em quem não se adequa a ela. Weber questiona justamente essa padronização da razão, pois a realidade é formada por diferentes grupos com particularidades distintas e consoante a sua sociologia compreensiva o indivíduo deve ser compreendido por vários aspectos: sociais, políticos, culturais, psicológicos, econômicos. O ser-humano é complexo e entendê-lo sob a óptica de uma única razão seria podar a pluralidade social. E o Direito por ser uma ciência social aplicada e solucionadora de problemas dos indivíduos que formam essa sociedade multifacetada não pode negar a complexidade social e individual.

A decisão favorável do magistrado em questão ao pedido da transexual mostra-se baseado nas garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas (liberdade, igualdade, privacidade e identidade), no Código Civil e no princípio da proporcionalidade do direito, mas também perpassa o direito positivado e a racionalidade formal ao considerar a racionalidade material confirmando a teoria weberiana de que nada é puramente formal. Desejável seria não haver lacunas no Direito e este fosse para todos, porém isso é mais difícil numa sociedade capitalista cada vez mais especifista que segrega o não padronizado e, também, possui um Legislativo que desassiste as minorias, visando a concretização de uma racionalidade formal fundamentada nos valores de quem o compõe. Contudo, a notoriedade dessa jurisprudência é um começo para a modificação dessa situação e um insulto ao padrão social vigente. Para o Direito é imprescindível a utilização de uma lógica multidisciplinar e interdisciplinar afim de abarcar toda complexidade da realidade. Trabalhar com o Direito, atualmente, é trabalhar com dimensões plurais e multifacetadas.



Discente: Juliana Furlan de Carvalho – 1º Ano Direito Noturno

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