segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A criminalização do aborto sob a ótica de Bordieu

É fato que a religião Cristã, infl­­­uenciou e influência, em muito, os países do ocidente. Essa influência tem efeito em muitos aspectos, um exemplo é o caso da criminalização do aborto. A imensa maioria da população Brasileira se diz contra a legalização do aborto, e na maior parte das vezes, por motivos que remetem à ética e à moral, ou seja, uma minoria da população (a que apoia a legalização do aborto) fica submetida a escolha da maioria que é baseada em princípios fundados no argumento religioso. Sabe-se que alguns casos específicos de abortos são permitidos, e que a proibição do aborto de feto anencéfalo foi considerado descumprimento de preceito fundamental, ou seja, inconstitucional (ADPF 54).

A partir desse panorama, é possível aplicar o pensamento de Bodieu à realidade que vivemos no Brasil: primeiramente, é importante notar que para o autor, o Direito em momento algum é visto como uma ciência separada de todas as outras ou independente, pelo contrário, o Direito deve (deveria?) dialogar com outras áreas do conhecimento, para que isso acrescente no seu estudo. No caso do aborto, grupos da ciência médica, a sociologia e filosofia já indicam que a vida não é iniciada junto à existência do embrião, e sim desenvolvida aos poucos, até certa maturidade do feto. Ou seja, o argumento que coloca o aborto como o fim de uma vida é infundado e ainda assim não deixa de ser utilizado por diversas pessoas, órgãos e instituições, já que o peso do senso comum cristão e o seu filial, o moralismo, o reafirmam a partir de seus poderes simbólicos.

Em segundo lugar Bordieu crítica o instrumentalismo e o formalismo dentro do Direito. Essas duas expressões se referem ao Direito estando à disposição da classe dominante, visto com uma força que pode negar ou ignorar as pressões sociais. No caso da criminalização do aborto, esse aspecto é muito visível quando se faz o recorte de gênero. O feto até certo tempo de existência, faz parte do corpo da mulher e não sobrevive sem ele, portanto, negar aborto seguro a uma mulher é privá-la do controle do seu corpo e do poder de escolha sobre ele. Se pensarmos que o moralismo que ronda essa questão é fundado em preceitos religiosos, é fácil concluir que a mulher sempre foi subjugada nesse âmbito. Até hoje muitas igrejas cristãs não têm espaços de fala para mulher como agente principal, condenam a mãe solteira enquanto valorizam o “bom pai” que o filho dela tem, têm como líderes sempre homens e mulheres em posição de submissão e subversão a eles. Não seria diferente com o aborto, esse diz respeito somente a mulher e sua autonomia sobre seu corpo, coisa que o Cristianismo sempre reprimiu, portanto procuram demonizar a prática do aborto e isso se refletiu no moralismo que está impregnado no Brasil. A Igreja como órgão dominante, vulgo seus líderes homens, não se importam com a vida ou com os direitos fundamentais da mulher (gravidez de risco, filho indesejado, depressão pós parto, etc), se importam em historicamente controla-la e seu corpo, e em ignorar a minoria delas que luta por equidade realizando uma opressão legalizada mascarada de tradicionalismo e cumprimento da moral/ética.

Em terceiro e último lugar, o autor salienta a importância do Direito fundamentado na realidade para atender verdadeiramente as demandas sociais, dessa forma, é necessário identificar e lidar com os problemas sociais que a sociedade apresenta, para legislar sobre eles e ter êxito como um instrumento de emancipação. No caso analisado nesse texto, quase sempre a realidade social de muitas mulheres não é levada em conta, e não é considerada um problema, já que é muito mais fácil taxar como crime o aborto e como criminosa quem o realizou. Ou ainda, segmentar as pessoas que buscam um direito, para dá-lo apenas a “quem mais precisa”, como se fosse uma dádiva ou um favor, assim como acontece no aborto de feto que foi fruto de estupro. Assim, você deve ser estuprada para ter direito a realizar um aborto, procedimento que deveria ser direito de todas as mulheres, e não um “favor do estado” à pessoas específicas, essa segmentação de direitos leva à uma emancipação parcial, feita de forma injusta e sob requisitos absurdos. Assim, a realidade de muitas mulheres, principalmente aquelas da classe baixa, é ignorada pelo sistema jurídico.

Analisando o caso da criminalização do aborto sob análise de Bordieu, percebemos o quanto nossa democracia é imatura ao passo em que concede direitos como fundamentais para a maioria mas restringe o espaço do possível quando diz respeito a uma minoria por quê diminui ou disfarça seus problemas sociais reais. A força religiosa com seu poder simbólico reitera essa desigualdade, e contribui para que o direito seja cada vez mais inalcançável por quem não faz parte da maioria influenciada por ela.  A ADPF 54 foi extremamente específica e não teve como foco o aborto em si, mas sim os problemas de um feto anencéfalo, mostrando como ainda é difícil ampliar a atuação do Direito nesse assunto.

Débora Rayane Brandão Filadelfo - 1º ano Noturno

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