segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Abortamento e a moralidade seletiva

A questão do abortamento é, inegavelmente, uma questão rodeada de tabus morais e, principalmente religiosos. Ter um filho, significa passar, sozinha (pois mesmo em uma gestação com o pai presente - casos raros entre as mulheres que cogitam abortar - é, e sempre será, a mulher quem aguentará, pelo menos fisicamente, a gestação) durante 9 meses por inúmeros mudanças não desejadas em seu próprio corpo - perda de controle sobre si, extrema dor e sofrimento. Tudo isso, para gerar um ser que ela nunca quis e que será sua total responsabilidade após esse nascimento forçado. Além disso, o mesmo Estado que a obriga a passar por esse desgaste não lhe garante suporte para cuidar de tal criança. 
Ou seja, o Estado, fundamentado em argumentos totalmente ultrapassados e absurdos obriga as mulheres a gerarem uma criança indesejada; a obrigam a criar esta criança, e a todo tempo a julgam e a marginalizam, pelo simples fato de ela ter engravidado. Isso mostra o quanto a sociedade é hipócrita, uma vez que, na verdade, quase ninguém deixa ter relações sexuais antes do casamento, mesmo isso sendo proibido pelos valores; mas, todos, não hesitam em rotular como promíscua, "puta", a mulher que engravidar. Esse fato revela também, a seletividade nos pecados aceitos pela entidade folclórica que chamam de deus. Se este deus predeterminou as ações humanas, por que os que se intitulam devotos cristãos infringem suas leis todos os dias, fazendo a barba, por exemplo, mas dizem que isso é aceitável, uma vez que os tempo mudaram, mas que a mulher abortar nunca será ? Por que a Igreja, usa da mulher para dar vazão a suas regras, a fim de a submeter. 
Tudo isso, sem nem ao mesmo começarmos a discutir a seletividade da condenação moral da sociedade. Homens abortam todos os dias e muito mais do que as mulheres: quando deixam de assumir uma criança que eles conceberam, quando não apoiam em nada a mulher obrigada a carregar o fardo que eles também tem responsabilidade sobre, quando, estes "homens da lei" não fazem nada sobre isto. Estes mesmo homens, e qualquer outro homem, na verdade, (uma vez que nenhum deles tem legitimidade para falar de coisas que serão apenas vivenciadas pelas mulheres), ditam e "vomitam" regras, assim como a Igreja, para obrigá-las a agir conforme seu patriarcado deseja; ou seja, a serem oprimidas e sujeitadas ao silencio. 
Falando agora do caso abordado pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54 de 12 de abril de 2002, que trata do abortamento de anencéfalos: todos os argumentos acima se encaixam perfeitamente nesse caso, porém, levando em conta a teoria de Bordieu, estudada, temos que destacar certos pontos. Sua teoria sobre os Espaços Possíveis, ou seja, sobre o local de debate e mudança de uma questão judicial; da reivindicação do direito pelo direito - é neste espaço que se encontra a discussão da arguição. Bordieu afirma que existe um campo jurídico, nem dependente, nem independente e que se utiliza de uma lógica interna; esta lógica interna é capaz de vincular o veredicto mais as atitudes éticas dos agentes do campo, os doutrinadores e os operadores, do que as normas pautados no direito, realmente - opinião esta que vai ao encontra com toda a moralidade seletiva discorrida anteriormente. 
Dessa forma, o campo jurídico sai, infelizmente, prejudicado ante tanto conservadorismo da sociedade patriarcal e religiosa. Citar a bíblia para fundamentar decisões judiciais sérias (como faz, por exemplo, a bancada evangélica) referentes ao futuro da sociedade brasileira, por aqueles que supostamente a deveriam conduzir imparcialmente, segue a mesma linha de, para isto, nos utilizarmos do livro da Chapeuzinho Vermelho. Citar valores morais, também é insuficiente dada a relatividade desses valores e o significado que eles possuem para cada um, de acordo com o local, época e contexto de sua criação. Os princípio, assim como as regras da bíblia não são palpáveis e fixos. Assim, sobre estes um decisão jurídica jamais deveria se basear - e a simples cogitação de se pautar sobre estes deveria ser absurda ao ver de um jurista sério. 
OBS: Normalmente se designa o processo de interrupção da gravidez antes que o feto se torne viável por "aborto"; o termo correto para esse processo, porém, é "abortamento", uma vez que "aborto"  designa o feto morto em consequência do processo de expulsão do útero. 

Stephanie Bortolaso 
1° ano - Direito (Noturno) 

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