domingo, 8 de novembro de 2015

Uma questão de equilíbrio

A implementação de cotas raciais nas universidades públicas iniciou-se na Universidade de Brasília (UnB) em 2004 e, mais de uma década mais tarde, ainda gera uma série de polêmicas e discórdias.
Um exemplo disso foi a ADPF arguida pelo Democratas (DEM) em 2006, questionando a constitucionalidade das cotas que levavam em consideração apenas a questão racial para o ingresso de estudantes na UnB, utilizando-se para a defesa de sua posição diversos princípios constitucionais (como por exemplo, o art. 206, I, CF – igualdade de condições de acesso ao ensino). O DEM também se valeu das ciências biológicas para fazer valer seu ponto de vista e alegou que o problema era mais uma questão econômica e social do que propriamente étnico-racial.
Entretanto, é preciso entender que, à luz do pensamento de Boaventura de Sousa Santos, o sistema de cotas é uma forma de luta contra hegemônica, que permite o ingresso de uma população que por muito tempo foi, e ainda é, taxada pela sua cor de pele, permitindo um ambiente mais plural dentro da universidade pública, de forma que diversas culturas interajam e se integrem, de forma a fazer morrer, pouco a pouco, o preconceito.
Além disso, atualmente, a sociedade está engessada por um fascismo social, resultado de um neoconservadorismo e do neoliberalismo, que dificulta a integração de minorias e dos historicamente excluídos, do qual os negros fazem parte, já que, após a abolição da escravidão, não foram tomadas medidas adequadas para que essas pessoas ingressassem plenamente no contrato social, situando-susado e, portanto, entre a sociedade civil estranha e a sociedade civil incivil.
O fascismo social pode se manifestar de diversas formas. Uma delas é o fascismo territorial, que é o domínio de determinados espaços por aqueles que possuem alguma forma de hegemonia (por exemplo: financeira, militar, política). É possível constatar, nas universidades públicas, um predomínio de uma população branca de classe média/alta. Nesse caso, as cotas raciais viriam para quebrar essa hegemonia, fazendo ingressar não apenas uma maior quantidade de alunos negros, mas também de classes sociais mais baixas da sociedade.
Outra forma de manifestação desse fascismo social é o fascismo contratual, que reduz a prestação de serviços públicos a contratos individuais entre consumidores e prestadores de serviços privatizados. É inegável que a educação virou um negócio, uma forma de lucrar. Assim, aqueles que puderem “consumir” educação estão muito mais preparados do que aqueles que tiveram que cursar uma escola pública (cerca de 70% dos jovens negros estudam em escolas públicas) que, muitas vezes, não oferece o mínimo necessário para o individuo ingressar no ensino superior. E, a partir daí, pode-se contestar a alegação do DEM: a existência de cotas raciais causaria mesmo um desequilíbrio na oportunidade de acesso a educação? Ou, na verdade, contrabalancearia o descaso que no passado teve-se com a população negra e que hoje tem com a educação pública?

Portanto, assim como afirmou Boaventura, o Direito pode ser tanto utilizado como forma de manter a hegemonia dos grupos dominantes quanto para a emancipação e mudança social, dependendo de como é interpretado e aplicado. As cotas é um bom exemplo do Direito sendo como forma de mudança social, e sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, é sua obrigação dar respaldo a essa população que, devido a seu processo histórico, acabaram sendo excluídos da sociedade, de forma a concretizar a igualdade formal que tão majestosamente está resguardada na Constituição Federal.

Luiza Macedo Pedroso - 1º ano Direito diurno

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