quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Cotas raciais: emancipação social x exclusão cosmopolita

Apesar das precariedades do ensino público no Brasil, as universidades públicas ainda são as melhores. Infelizmente, em um país com tantas desigualdades, é evidente o predomínio desse ambiente seria pela elite. Segundo Boaventura de Souza Santos, trata-se de um fascismo territorial esse domínio de alguns espaços por apenas grupos que detém o poder financeiro. Surge, como solução, o programa de reserva de vagas nas universidades públicas para alunos negros e de escola pública. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, contudo, o Partido Democratas entrou com uma ação contra essa política de reserva de vagas para alunos negros na UnB, alegando a ineficácia de tal medida por institucionalizar o preconceito e desrespeitar nossa igualdade formal.
Realmente, trata-se de um tipo de discriminação, mas como qualquer outra ação afirmativa, é uma discriminação positiva, que atribui certas vantagens, por um tempo limitado, para a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. Nosso país ainda é muito marcado pelos traços da escravidão, pois mesmo compondo, aproximadamente, 70% de nossa população, os negros são um dos grupos mais excluídos, afinal, somente 2% deles, segundo o IBGE, conquistam o diploma universitário. Assim, pouquíssimos negros e pardos exercem cargos ou funções de relevo em nossa sociedade, revelando uma estrutura social segregada e elitista.
As cotas raciais na UnB visam, então, acabar com a exclusão social dos negros do ambiente universitário e fazer uma distribuição mais equitativa dos recursos públicos da educação. Mais do que isso, a reserva de vagas resulta na imposição da pluralidade e o fim da linearidade. Somente com menos homogeneidade, aprenderemos a lidar com as diferenças, a universidade é ainda o espaço ideal para a desmistificação dos preconceitos sociais e para a construção de uma consciência coletiva plural e culturalmente heterogênea. A presença de alunos negros enriquece também cada vez mais a universidade com a introdução de novas culturas e opiniões nos debates, e expansão dos conhecimentos pelo saber cosmopolita (resultado de várias realidades diferentes).
O objetivo desse programa de reserva de 20% das vagas não é, nem será, transformar a universidade só para negros, como afirmam os democratas na ADPF, mas tornar a universidade realmente para todos, um espaço público aberto à inclusão do outro. Não podemos falar de meritocracia em um caso em que as condições de alunos brancos e negros são nitidamente díspares. Mesmo após tanto tempo após a formalização da igualdade formal estamos longe da material. Boaventura afirma que precisamos de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. Somente com a emancipação social do que o autor chama de sociedade civil incivil (hiperexcluída) poderemos acabar com exclusão estrutural.

Todavia, no ambiente que estamos, a instabilidade social se tornou uma condição para a estabilidade econômica, e a inclusão dos negros no ambiente das elites intelectuais alteraria a estrutura social já consolidada. E é esse o maior temor da elite defendida pelo partido dos Democratas, perder seu lugar de privilegiada. Assim, impedir que os negros ascendam e façam parte de classes mais altas não só demonstra um preconceito irrigado, como ainda o fascismo da individualidade empreendedora que não quer perder seu lugar no sol.

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