segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Cidadania e Solidariedade


A miscigenação na gênese do povo brasileiro não afastou o conflito racial entre brancos, negros e indígenas. O racismo e a segregação social sempre se fizeram presentes no Brasil. Por muito tempo alheio a essa situação, que tolhe o pleno desenvolvimento do país, o Estado tenta transformar esse quadro de injustiça através da implantação das cotas raciais nas universidades públicas. A medida é válida? Atingirá seu objetivo? 

A iniciativa, inicialmente isolada, da Universidade de Brasília (UnB) de reservar vagas para candidatos negros e mulatos em seu vestibular foi questionada pelo partido Democratas (DEM) quanto ao suposto descumprimento do princípio da igualdade. Por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), abril de 2012, a iniciativa foi sustentada e, a partir de então, as cotas raciais se fizeram imperativas nos vestibulares dessas universidades. O Estado que se omite quanto à segregação racial é o mesmo que defende as cotas? 

As subversões que se manifestam nas “zonas de contato” – apresentadas por Boaventura de Sousa Santos – são próprias da modernidade, cujo espectro social amplo relativiza valores como igualdade, solidariedade, liberdade e meritocracia. A possibilidade de ponderação de valores e de manifestação de ideias contra-hegemônicas encontra espaço em sociedades democráticas, mesmo que nem todos os grupos tenham representação efetiva em sociedades pluralistas. 

No Brasil, a raça identifica a classe social do indivíduo. E nossa heterogeneidade racial marca a divisão social, cuja emergência é caracterizada por Boaventura como um novo fascismo. O fascismo social é a exclusão de determinados grupos no compartilhamento e no uso efetivo de espaços, instrumentos e serviços públicos, bem como de garantias e de desenvolvimento econômico deles. 

O Estado Democrático de Direito, apesar de omisso quanto à efetivação plena de direitos e disponibilidade de garantias, consente com reivindicações de poder por grupos apartados do comando estatal. A legalidade cosmopolita legitima a mobilização política em geral, tornando possível também a consecução de pleitos especiais como as cotas raciais. O conflito social e político, tendo o Estado como mediador, se desenvolve nas “zonas de contato”, onde cada grupo exprime suas convicções e planos e capta apoio de grupos similares. A tomada de decisão se consolida no Direito, que transforma o desejo em norma e que se faz cumprir. 

A origem do racismo remonta à colonização dessas terras pelos portugueses, que exploraram e ocuparam esse território com a mão de obra escrava. A cultura, a religião e o discurso amparavam a escravidão de negros e justificavam as atrocidades dos colonizadores. A escravidão foi interrompida há mais de um século, mas a influência desse período ainda se faz presente quando o negro encara o atendimento médico, a polícia, a Justiça, o mercado de trabalho e a educação superior. 

Vítima de um ensino de base rudimentar, como ocorre com todos os pobres, o negro também não se vê no ensino superior, pois os que conseguem acessá-lo são os que tiveram, pelo menos, ensino médio de qualidade. Regra geral, só conseguem essa proeza aqueles cujas famílias detêm mais recursos. As cotas raciais para ingresso no ensino superior são mais que medidas compensatórias, são ações afirmativas para esses excluídos. 

A solidariedade traz consigo a ideia de responsabilidades recíprocas entre indivíduos pelo interesse em comum. No caso das cotas, a sociedade brasileira assumiu o compromisso de equalizar oportunidades entre raças pelo propósito do desenvolvimento pleno da cidadania e do país. Dessa forma, vê-se que as cotas são válidas e podem promover os negros a uma condição satisfatoriamente melhor que a atual. O Estado parece sair da inércia. 

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