domingo, 18 de outubro de 2015

A racionalidade de mercado e a racionalidade de Estado

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente decidiu que oferecer desconto para pagamento em dinheiro e cobrar preço diferente para pagamento com cartão de crédito pelo mesmo produto ou serviço é prática abusiva com os consumidores e deve ser proibida.
O fundamento para a decisão foi que o pagamento por cartão de crédito, já utilizado por mais de um quarto dos brasileiros, é uma forma de pagamento à vista, então não pode ter os valores diferentes tal como se a compra fosse paga com dinheiro em espécie.
Decisões judiciais como essa ignoram a Análise Econômica do Direito, isto é, as consequências que elas terão no mundo real. Ainda que os ministros do STJ tenham as melhores intenções, as consequências da proibição contradizem as intenções inicialmente alegadas pelos magistrados.
Comerciantes oferecem descontos para o pagamento em dinheiro porque, nesse caso, não é necessário o pagamento das taxas cobradas pelas operadoras de cartões de crédito, que chegam a 11% (!) do valor da compra. A diferença entre o preço em dinheiro e no cartão não é aleatória, mas reflete as diferenças de custo entre as duas vendas.
Obviamente, o efeito prático da lei será o de impedir descontos para quem paga em dinheiro. Se os comerciantes só podem cobrar um preço para todas as formas de pagamento, o mais provável é que eles escolham o mais alto, para que todos os custos estejam sempre inclusos na conta final.  Em outras palavras: quem poderia economizar pagando com dinheiro em espécie para fugir das taxas de cartão, acaba sendo obrigado a pagar mais caro por conta de uma decisão que pretendia proteger o consumidor.
Diante da proibição, alguns estabelecimentos também deixarão de aceitar cartões de crédito, haja vista que recebem valores menores com eles. Assim, o consumidor sequer tem a opção de pagar um valor um pouco mais alto devido ao cartão de crédito.
Tendo em vista esse caso, pode-se dizer então que a teoria do choque de racionalidades de Weber, formulada em seu livro "Economia e Sociedade", se faz mais presente do que nunca. Nesse caso em específico, a racionalidade de mercado, pautada na livre escolha entre agentes de direito, entra em conflito com a racionalidade provinda do Estado controlador, encarnada pelos ministros do STJ, e portanto positivada e formal. Tal caso se mostra uma contradição, uma vez que o direito formal vai contra a racionalidade econômica. Weber explica bem isso, ao dizer que as qualidades formais do Direito exibem traços contraditórios, devido a traços da ética e da pressão dos agentes de grupos ideológicos que influenciam no sentido de reivindicar as sua própria justiça material, de acordo com a racionalidade da classe a qual pertencem.
Portanto, não faz sentido que juízes tomem decisões sobre o quanto custará cada produto, dado que não conhecem a estrutura de custos de tudo o que se produz numa economia; logo a decisão dos mesmos não pode ser racional, nos termos de mercado. E os consumidores, afinal, respondem a estímulos como qualquer agente econômico: se acham que um produto deixa de valer a pena depois da taxa pelo pagamento em cartão, cada vez menos pessoas comprarão com o cartão de crédito. A decisão do STJ portanto, atende mais a uma racionalidade de classe do que aos interesses dos consumidores, uma vez que esses últimos saem prejudicados.
Link da decisão do STJ: http://www.conjur.com.br/2015-out-08/cobrar-pagamento-cartao-credito-pratica-abusiva

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