segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Justiça Cega?

"... a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo..."
(José Saramago – Escritor Português)

Em janeiro de 2012, 1600 famílias que ocupavam a região de Pinheirinhos no município de São José dos Campos foram despejadas e removidas brutalmente do local em que moravam há mais de sete anos. Nesse bairro, foi constituído além de diversas moradias, igrejas, praças públicas, estabelecimentos comercias e até uma associação de moradores. Elas foram desocupadas desse terreno a pedido do empresário e especulador Naji Nahas, proprietário da massa falida Selecta S.A, que acionou a justiça e pediu a reintegração de posse da propriedade.

Evidentemente, os moradores que viviam nesse bairro não aceitaram facilmente sua expulsão e, assim, entraram em conflito com as autoridades, o Estado e a Justiça brasileira. Durante esse longo e doloroso processo, várias liminares foram concedidas, o Direito foi constantemente aplicado de forma equivocada e leviana e mais uma vez a população carente saiu prejudicada nessa situação.

A Desocupação do Pinheirinhos é um caso perfeito para se aplicar as reflexões e pensamentos marxistas e hegelianos. Marx afirmaria que o direito moderno é um instrumento de dominação e manipulação da elite burguesa que é frequentemente utilizado para propagar e defender as ideologias capitalistas e liberais. Além disso, ele reconheceria que essa questão jurídica é fruto de uma luta de classes e de um domínio econômico e político preponderante burguês. O Estado, nesse aspecto, estaria favorecendo e contribuindo para manutenção da ordem burguesa e desprivilegiando a população empobrecida.  

Por outra perspectiva, Hegel e seu idealismo, declarariam que o Estado constitucional garante a liberdade e igualdade dos cidadãos e que ele se consagraria como um poder benévolo e racional, ou seja, neutro e protetor de todas as classes. O Direito para Hegel, nesse caso, representaria a plena racionalidade humana e as leis aplicadas durante esse contexto é a expressão máxima dessa realidade igualitária e libertária. O Estado formata a sociedade e é o único capaz de promover a felicidade coletiva.

Nem Marx e muito menos Hegel conseguem explicar e decifrar completamente essa complexa e intricada questão da Desocupação do Pinheirinhos. Há um poderoso embate entre direito à propriedade e direito à moradia, ambos previstos na Constituição federal. Ponderar e chegar uma conclusão de qual direito é mais importante e superior que o outro é uma tarefa árdua e complicada.

Entretanto, sobre toda essa questão do Pinheirinhos deve-se considerar que ocorreram gravíssimas violações aos Direitos Humanos. Vidas foram perdidas durante esse processo, e toda a construção material e imaterial constituída pelos moradores foi desmantelada e desmanchada pelas autoridades. A juíza Marcia Loureiro, o desembargador Ivan Sartori, o Juiz Rodrigo Capez, o desembargador Cândido Além e o juiz Luiz Beethoven provaram que o Direito pode ser profundamente parcial em suas escolhas e que a justiça não é totalmente cega como a deusa grega Athena.

Pelo contrário, nesse mundo capitalista, burguês, segregado e elitista, ela mostra cotidianamente, que nem sempre ela toma as melhores decisões.  

Arthur Resende

1º ano Direito Noturno

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