domingo, 27 de setembro de 2015

Considerações sobre o caso Pinheirinho

Os textos relacionados ao caso Pinheirinho nos revelam uma situação fático-jurídica complexa e delicada. Complexa, pois envolve diversos interessados (sejam aqueles pretendentes à posse e à propriedade da terra, sejam aqueles que procuram atuar na demanda por diferentes razões, como, por exemplo, Defensoria Pública, políticos, associações de moradia e sindicatos) e diversos motivos e aspectos jurídicos. Delicada, pois uma das partes é um conjunto grande de famílias que se estabeleceu no local em litígio e que, em meio à disputa do terreno, procurava desenvolver ali uma comunidade urbana. Nesse contexto, focaliza-se a atuação do Poder Judiciário Estadual, a quem coube decidir o embate entre propriedade e solidariedade social à luz do Direito.

Por meio de uma lente marxista, observa-se que o Judiciário, muito embora em consonância com ordenamento jurídico, seguiu por uma linha dogmática e mais formal do Direito, atendo-se a aspectos processuais. Por exemplo, o juízo de primeiro grau da Sexta Vara Cível de São José dos Campos, ao analisar a liminar de reintegração de posse movida pela Massa Falida (da empresa Selecta), proprietária do terreno, deixa patente o olhar estritamente legalista da matéria em sua decisão, sob a justificativa da tripartição dos Poderes. Outros fatos que chamam a atenção são a urgência para cumprimento da reintegração de posse e a explicação dos motivos para o primeiro deferimento da liminar, em 01/07/2011, os quais, diferentemente do arguido à época, seriam os mesmos que guiaram o juiz da 18ª Vara Cível da Capital, que tratava do processo de falência da empresa Selecta.
   
Tal análise, ainda seguindo um raciocínio marxista, mostraria o quanto a simples submissão às regras do Direito, ao império da liberdade realizada, seria incapaz de proporcionar a felicidade real aos homens. De fato, apesar de fundamentado no direito positivo, as consequências evidentes do processo judicial foram os maus tratos e o abandono das famílias desapropriadas. É verdade que estas famílias não eram proprietárias legítimas da terra, isso não se discute nos textos, e que, além disso, a posse indevida prejudicava o direito de terceiros envolvidos no processo falimentar. Todavia, seria prudente nesse caso ouvir a recomendação do crítico do capitalismo, a de que as relações jurídicas não podem ser compreendidas a partir de si mesmas, mas devem ser vistas à luz das relações materiais da vida.

A Constituição Federal de 1988 protege a propriedade privada, defende o direito à moradia e estabelece como objetivo fundamental a construção de uma sociedade justa e solidária. Nesse sentido, o caminho a ser seguido não deveria favorecer somente uma parte em total prejuízo à outra, tampouco permitir que abusos fossem cometidos no cumprimento da lei. De modo a garantir a materialidade do ordenamento jurídico, seria importante que as leis prescrevessem regras especiais para esses casos envolvendo multidões, ou então, que um certo ativismo jurídico, apesar de nem sempre ser a melhor solução, fosse empregado, de forma a preservar o direito à propriedade, mas sem relegar pessoas já marginalizadas a uma condição ainda pior. É fundamental que uma situação semelhante, além do Judiciário, envolva as Administrações Públicas das três esferas de poder e que se leve em consideração o aspecto da humanidade. Caso contrário, de fato, sempre se estará privilegiando o interesse de uma elite em detrimento da massa de pessoas desprovidas de meios de defesa.         


Fernando – 1º Ano Direito Noturno (texto sobre o Direito como instrumento de dominação político-social - Marx)

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