domingo, 27 de setembro de 2015

“A multidão sofrendo porque não tem...

...e a minoria sofrendo com medo porque tem” 
Caio Prado Jr.

No ano de 2012, o Pinheirinho – área ocupada por cerca de seis mil pessoas há mais de 7 anos – foi palco de uma violenta reintegração de posse, executada por um contingente de policiais militares, munidos não só de suprimentos como balas de borracha, mas também de autorização da justiça, expedida pela juíza Márcia Loureiro.
Tal ordem de reintegração de posse do terreno havia sido suspensa devido a um acordo entre governo federal e estadual, que supostamente dispuseram-se a negociar sobre o futuro da área – reintegrada a posse da massa falida da empresa Selecta, propriedade do famoso especulador imobiliário Naji Nahas ou transformada em área de interesse social, passando a titularidade da mesma para as cerca de 1500 famílias lá habitantes.
Tal situação expôs e opôs dois direitos previstos na Constituição Federal de 1988, o de propriedade (Art. 5º, XXII)  e o de moradia (Art. 6º, caput). Qual direito devia sobressair-se? O desfecho da história, cunhada de “Massacre do Pinheirinho”, mostra que o direito à propriedade, ignorando inclusive a função social da mesma, prevista também em Constituição, no mesmo artigo 5º, inciso XXIII; consolidou-se como mais importante. Um ano após a expulsão dos moradores, o terreno fora devolvido à massa falida da empresa Selecta, cercado e guardado por seguranças privados, a fim de se evitar uma nova ocupação. Os antigos moradores? Migraram para áreas de risco e/ou para viver sob condições precárias de moradia, uma vez que a indenização oferecida pelo governo, o auxílio-aluguel, é de 500 reais e não atende aos preços usuais de alugueis em São José dos Campos.
Aí surgem os questionamentos, houve erro no julgamento do Pinheirinho? O Direito não foi o suficiente para trazer justiça ao caso? Ou foram os agentes aplicadores do Direito que falharam? E o Estado? Cumpriu seus deveres para com seus cidadãos? Mas quais cidadãos? Quem realmente foi beneficiado com tal decisão? Qual relação o Estado e suas instituições – entre elas, o Direito – têm com as classes sociais?
Sob a ótica do pensamento de Hegel, o Estado moldaria as classes sociais, logo, o direito seria objeto da racionalidade do Estado, da busca do homem pela liberdade, em outras palavras, o direito seria a liberdade em forma de ideia, pois nele, segundo Hegel, “toda limitação e singularidade individual ficam suprimidas”. O Estado seria a ideia prima de liberdade e o direito sua ferramenta de consolidação da liberdade na Sociedade (Por exemplo, através do direito as pessoas têm exata noção de quais ações não cometer, e se cometessem, quais penas seriam executadas; elas não precisariam viver com medo).
No entanto, Marx desconstrói a ideia de Hegel ao expor sua teoria de que na verdade, as classes sociais é que moldam o Estado. Ou seja, o Estado, suas formas de atuação e suas instituições, entre elas, o Direito, não contribuem para a manutenção da justiça e liberdade de toda a população mas sim a manutenção de uma ordem baseada nos meios de produção, na qual uma elite burguesa se beneficia através dos instrumentos que ela própria criou, governa e aplica.
Para tanto, Caio Prado Júnior, numa análise marxista da realidade brasileira, estabelece que o país é fruto da modernidade, ou seja, foi criado e pautado desde sempre pelas relações capitalistas, ademais, suas instituições mantiveram-se, numa forma mais complexa, estratificadas e semelhantes a uma espécie de sistema colonial: Uma população, em sua maioria, alienada; uma elite conservadora que tenta manter seus privilégios, uma economia agrícola-exportadora aliada a concentração de terras baseada no latifúndio, desigualdade social e econômica...
Baseando-se na análise marxista de Caio Prado Júnior e na própria análise de Marx acerca do Estado e do Direito, o episódio do Pinheirinho se consolida como mais um episódio que tratou de manter a ordem já instituída em nosso país desde os primórdios. Mais um episódio como muitos outros, inclusive na própria cidade de São José dos Campos, nos quais famílias residentes dos chamados “adensamentos informais” já sofreram inclusive políticas segregacionistas, como a “Lei da Fome”, que proibia a moradores de ocupações, o acesso a serviços públicos (Felizmente, declarada inconstitucional pelo TJSP).
O direito de propriedade, nesse caso, beneficia a ordem econômica de uma elite burguesa que contribui para a especulação mobiliária e para o lucro de alguns poucos em detrimento do direito de moradia e de dignidade de muitos. A relativização da efetividade do Direito aqui é observada, uma vez que quando contrapostos direitos entre diferentes classes sociais, os da classe social dominante sobressaem-se na sentença final. É o Direito de Classes, construído paulatinamente com um histórico desrespeito aos Direitos Humanos, negando o respeito à dignidade humana e mantendo a ordem social favorável à elite.  

Mariana F. Figueiredo
1º ano de Direito (Diurno)
Sociologia do Direito


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