segunda-feira, 9 de março de 2015

Perspectivas de progresso social pelo habitus jurídico

     A discussão da temática sobre o aborto de fetos anencéfalos propicia a oportunidade de analisarmos a dinâmica de funcionamento do campo jurídico, como evidenciada por Pierre Bourdieu em "A força do Direito". O modo pelo qual foi levantada e discutida a questão na Suprema Corte do país nos demonstra como que o Direito retém uma relativa autonomia frente ao limite do possível estruturalmente determinado pelo Códigos e a Jurisprudência, manifestando-a através da mobilização do capital simbólico jurídico, bem como pela reafirmação da "neutralidade" científica do Direito.

         A constituição do STF por 11 ministros nos demonstra que a própria formação da Corte se dá de forma concorrencial, como diz Bourdieu sobre a competição intra-campo; nesta instância específica do sistema judiciário, há uma movimentação de capitais simbólico e cultural, com o intuito de fazer prevalecer o posicionamento de dado ministro. Para tal, esta movimentação de capitais serve para demonstrar proeminência em dado, prestígio, tendo seu poder simbólico utilizado em coerência com o habitus jurídico, ou seja, de acordo com as regras de comportamento aceitas pelo Direito.

    De uma forma geral, toda esta mobilização de "recursos" são parte de uma dada estratégia utilizada para obter a distinção dentro do campo. Indo além, estes mesmos recursos são um artifício utilizado pelos operadores do direito para revestir seus argumentos de uma legitimidade científica, e, portanto, neutra. Bourdieu critica esta neutralidade pois, inevitavelmente, o campo jurídico sofre pressões sociais de outros campos e até mesmo uma penetração de membros oriundos destes campos distintos, que se sujeitam ao habitus "local", bem como passam a formular estratégias em conformidade com o limite do possível. Esta "contaminação" do campo é evidente nos casos de judicialização de questões sociais, vide o caso do aborto de anencéfalos.

           
            Na ADPF 54, é evidente a movimentação de recursos "legais" para a justificativa da decisão e sua legitimação. Ora, respeitando o limite dos possíveis, só é possível a não tipificação do aborto de anencéfalos no Código Penal utilizando-se de prerrogativa teoricamente presente na Constituição Federal, norma de maior hierarquia e importância no campo jurídico. Desta forma, a concorrência se dá entre os que propuseram a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra um ministro do STF, sendo que este teve a obrigação de revestir sua decisão de legitimidade legal e científica, uma vez que discordou da ação. A argumentação, por exemplo, da necessidade da laicidade do Estado, como consta na Constituição, obviamente desqualifica qualquer opinião baseada em religião por não ter legitimidade, pelo menos dentro do campo em discussão.

           
           Portanto, é evidente que a emancipação através do Direito é sim possível, mas deve respeitar os "rituais" de legitimação do campo e mobilizar capital simbólico suficiente para vencer a concorrência. O Direito, embora seja estruturado de forma que o respeito ao limite dos possível seja uma garantia ao Estado e forma de dominação empregado por este, pode ser libertador sem fugir de seus limites com o emprego de uma hermenêutica progressista, como evidente nos casos de judicialização de questões sociais. Assim, resta aos outros campos da sociedade aprenderem e passarem atuar conforme o habitus jurídico, pois este é, atualmente, o palco em que as lutas se efetivam.

Lucas Laprano - 1º Ano, Noturno - Turma XXXI

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