sexta-feira, 6 de março de 2015


Direito, mudanças paradigmáticas e o “espaço do possível”
 
A sociedade pós-moderna tem provocado reflexões e mudanças de paradigmas no campo político, econômico, cultural, chegando ao âmbito jurídico. Este último passa a receber uma série de demandas, às quais precisa encontrar respostas. Assim, o direito que por muito tempo foi visto como mantenedor do status quo, toma um novo viés, contudo, faz-se mister questionar a maneira como essa transmutação acontece e qual a sua profundidade.
            O caso do aborto de anencéfalos vem a calhar para a compreensão desse fenômeno, aliado ao pensamento de Bourdieu. A discussão do juldado é feita sob uma ótica fria e quase estéril. Não é debatido em que ponto a vida inicia-se, são deixadas fora do eixo do debate à condição da mulher e seu direito ao próprio corpo, esta, em verdade, é confinada no habitus do campus social de “mãe”. O aborto não é discutido em si, opta-se por outra terminologia para referir-se ao ato, “interrupção antecipada da gravidez”, justificando a mudança por tratar-se de um feto sem vida em potencial.
            Entretanto, tais temáticas, se fossem abordadas de forma direta, causariam grande desconforto, uma vez que se encontram diametralmente opostas a concepções da ordem social pré-estabelecida. Materializa-se, assim, frente ao observador o “espaço do possível”, conceito criado por Bourdieu, entendido como o alcance da ação de “distender a forma”, na qual há que se agir conforme as regras internas. Nesse sentido, os ministros tiveram que mover sua argumentação conforme a lógica interna, para conseguir um parecer favorável ao aborto de fetos anencefálicos. Dessa forma, a mudança dá-se por vias laterais, devido à delimitação desses “espaços do possível”.
            Destarte, o direito toma uma posição dual, ao mesmo tempo em que faz parte da mudança, faz da conservação. Porém a transformação é inegável e esta não foi fruto de geração espontânea. Ao contrário, vê-se primeiro uma mudança no habitus (disposições incorporadas), que no caso do julgado, já não era mais o do dogmatismo religioso, mas o da racionalização, sendo função dos agentes trazer os diferentes habitus para incorporá-los no campo (palco das lutas simbólicas). Assim, possibilita-se, dentro dos limites do “espaço possível”, que transformações e mudanças paradigmáticas ocorram, ainda que com pouca profundidade, mas ensejando perspectivas mais otimistas.
 
Letícia Raquel de Lava Granjeia – 1º Ano – Direito Noturno         
           

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