segunda-feira, 9 de março de 2015

Devaneios de uma criança atordoada e de um garoto racional a respeito dos tratados da vida

E pressionou firmemente seu polegar no chão, existindo, contudo, entre esse minúsculo lapso de espaço um inseto, daqueles de serem vislumbrados por Kafka, que tremulava suas ínfimas patinhas, enquanto o último sopro de vida traqueava-se pela sua massa corpórea. Muitas foram as sensações sentidas pelo sentimento do garoto no ato da maltratação maltratada pelo maltratamento da criança. Faça, elucidava a criança que era interrompida pelas palavras agonizantes do garoto. Não se atreva. Você pode, faça. Isso é um erro. Era a manifestação do agudo opondo-se ao grave e este o contrapondo.
E continuou seu entediante almoço, um pouco de feijão aguado de um lado do prato, um punhado de arroz de ontem e aquela massa dura com cor de bife configura-se como o próprio. Picava, mastigava, engulia, ruminava, deglutia. No momento sua mãe postava-se á sua frente, em pé, lavando a louça e fumando um cigarro. Jovem velha, cicatrizada pelas mazelas de uma vida árdua, daquelas de desfigurar a mão, ao invés de só calejá-la, pouco se atentou à atitude da criança, não interrompendo sua função. O pai se ausentara para comprar cigarro, não deu mais as caras.
            E tirar a vida lhe apeteceu, ou pelo menos o agradou mais do que seu esmiuçado prato de refeição. Estando o dia propício, adiantou-se para ir matar mais alguma coisa. Caçar, sim, caçar, bela ideia. Pegou seu estilingue e saiu em sua empreitada. A conjuntura do dia propício e o estilingue apenas mostravam-se como elementos acessórios que em hipótese alguma retiraria o desejo do infante.
            Avistou uma maritaca no fio de energia apoiada, tencionou o elástico enquanto apertava a pedra apoiada na malha de couro entre seu pequeno polegar e seu indicador, em um movimento de pinça. Acerta ela. Para. Vai logo. Ela é um ser inofensivo. Ela não tem alma, é só um ser qualquer. Ela faz parte da natureza. Ninguém vai dar falta.
            A sua massa encefálica produzia uma gama de contradições das quais não se decidir objetava-se como sua latente situação momentânea. Tentava entender o que era vida e o que não o era, mas sua limitação material nessa matéria parecia colossal. Seu infantil cérebro nem suas condições talvez permitissem um dia ter contato com exposições de Aristóteles, Descartes, Hume, Kant, nem de cientificistas renomados.

            A pergunta, todavia, estava formulada de modo equivocado. O que o infante deveria de fato perguntar ao garoto e à criança era menos relacionado a praticar ou não o ato, do que a verdadeira finalidade de sua ação.

Túlio Boso F. dos Santos - Direito Diurno

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