sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Questão de Gênero: Uma Fragilidade Formal

    Muito mais do que uma questão de qualidade particular, ou seja, referente a um segmento específico da sociedade, a discussão de gênero deve abarcar a juridicidade e a política, daí ser impreterível questão social, que envolve todos os indivíduos vinculados a um Estado. Como parte legislativa dirigida aos interesses da comunidade LGBT, temos uma série de propostas cabíveis em trâmite, que podem – caso promulgadas –, por vias legais, facilitar o acesso e reconhecimento do grupo como queiram seus indivíduos – seja em união homoafetiva, adoção para casais do mesmo sexo e, mais discutido neste texto, a cirurgia para mudança de sexo.
    Uma jovem – biologicamente pertencente ao sexo masculino, porém social e psicologicamente colocada como mulher – pleiteia, então, uma cirurgia de mudança de sexo, custeada pelo Estado em convênio com o SUS, e requere a ação em juízo. Quando o Juiz de uma Vara de Jales, Fernando Antônio de Lima, afirma em texto a segurança do cumprimento da ação com base no arcabouço legal em matéria Constitucional – além de menção às declarações de direito de que o Brasil é signatário –, reflete-se um caráter urgente de uma emancipação dessa questão quanto às formalidades legais, a fim de evitar tamanha burocratização e lentidão judicial por mera razão de não previsão em norma desse embargo.
    Isso ocorre porque, formalmente, não há positivado texto que regule as decisões em específico, o que torna o fim do processo tendencioso, ou seja, está nas mãos do juiz encarregado um posicionamento jurisprudencial ou decisão diferente. No caso acima relatado, o magistrado se colocou, como também o faz o Tribunal de Justiça de São Paulo e o STJ, favorável ao requerimento da parte autora, deferindo-lhe tanto a cirurgia, quanto a alteração sigilosa de registro civil de nome e gênero. Doutra forma, poderia ser o resultado não tão favorável, havendo uma cisão entre os direitos fundamentais da Constituição e sua efetivação pelo Estado – o que, segundo o mesmo juiz, seria “omissão inconstitucional” –, posto que, embora não sejam os direitos de gênero previstos especificamente, estão derivados dos direitos de liberdade e identidade, fundamentais.
    Em Weber, a discussão entre Direito Formal e Material ganha destaque. Relacionam-se à racionalização jurídica, visto que o Direito é fruto de norma, afastada de valor ou qualidade, devendo somente apontar como verdade ou não um fato apresentado, e disso haver o controle e coerção imaginadas pela Lei. Ambas as classificações – formal e material – estão dispostas em dialética frequente, sempre uma lei positivada se chocando com o valor divergente que enxerga certa parcela não contemplada, daí recriando a norma e formalizando-a. O que acontece é, na verdade, uma defasagem significativa entre o formal e o material, entendendo-se que entre o texto normativo e sua aplicação pura exista a pluralidade social, muitas vezes esquecida pela classe que formula o Direito vigente.
    Tal ideia se aplica ao caso acima no tocante à necessidade de se extender um Direito formal à materialidade – ou seja, o direito constitucional será ampliado e lido de forma a contemplar uma parcela da sociedade cujos direitos não estão dispostos claramente em lei. “O imbróglio jurídico sobre as identidades 'legal' e 'social' das pessoas travestis, transexuais e transgêneros provoca situações absurdas que mostram o tamanho do furo que ainda existe na legislação brasileira.” (Retirado do Projeto de Lei “João W Nery – De Identidade de Gênero” dos Deps. Jean Wyllys e Érika Kokay).
    Alguém que se encontra na dita situação, de inconformidade com o próprio corpo, pode, numa exceção do Código Civil, dispor-se à cirurgia com aprovação médica. Dessa maneira, após análises psiquiátricas e psicológicas, e formulação de laudos técnicos que aprovem a condição, realiza-se a ação. Até que isso ocorra, o indivíduo sofre por tempos os efeitos negativos da situação, sejam os preconceitos movidos pela sociedade, seja sua própria identidade – ocasionando inclusive distúrbios psíquicos que, levados à gravidade, podem gerar quadros suicidas. Daí a necessidade de viabilizar o processo, para que não haja mais a possibilidade ou impossibilidade de realização da cirurgia, mas uma efetivação do que garante o próprio Estado. Cabe, também, uma quebra no estigma carregado pela comunidade LGBT em geral, muitas vezes vítima de discursos de ódio e crimes vinculados à homofobia, daí a corroboração de uma postura positivada do Estado em afirmar seus direitos, como o faz com os cis-gênero.

Bibliografia:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=PL+5002/2013

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