quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O caso Pinheirinho e o pensamento marxista.

Marx e o Direito.

            Desde a ‘Questão Judaica’, quando ainda não estavam definidas as bases da dialética marxista, Marx já denunciava a irrealidade da Constituição, o fato dela constituir uma idealização quando premissa fundadora do Estado capitalista. A perspectiva do Estado como um ente que uniformiza as relações sociais a partir das premissas de uma determinada classe é ponto essencial na crítica de Marx. “O Estado político comporta-se espiritualmente para a sociedade civil da mesma forma que o paraíso para a terra” (A questão judaica, página 355)
Citando o Prof. Dr. Martonio Mont’Alverne Barreto Lima “Não se trata de afirmar que a condição econômica é sozinha a causa ativa de tudo e, no mais, o resto possui apenas um efeito passivo. É, precisamente, a alternância dos efeitos sobre o fundamento da contínua necessidade econômica a se realizar, em última instância. Não se trata de, como se deseja aqui e acolá e de forma confortável, afirmar o efeito automático da economia, mas os homens fazem a sua própria história, porém num dado e condicionado Milieu” (Em: http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt2/sessao1/Martonio_Lima.pdf ) . Entretanto, diferente de outros autores, Marx não teorizou o Direito, ele apenas estudou o fenômeno jurídico dentro de outras perspectivas mais amplas. Por isso, Marx não é muito bem quisto por teóricos do Direito, uma vez que além de crítico ferrenho do Direito, seus escritos são poucos substanciais nessa área.

O caso Pinheirinho: como a justiça estabeleceu o domínio de uma prerrogativa constitucional sobre a outra.

Versa a Constituição Brasileira:
Pró-reclamante.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: inc. III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: inc. XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Pró-proprietário.
Art. 5º, inc. XXII - é garantido o direito de propriedade;

            É preciso aludir, antes de prosseguir a arguição, que embora o marxismo condenasse o Direito como perspectiva de uma classe, a história não se fez como previu Marx. As pressões por direitos não geraram o colapso do capitalismo: o sistema se reinventou. Essa análise é própria dos teóricos neomarxistas da Escola de Frankfurt e é ainda em larga medida utilizada para explicar a falha no diagnóstico marxista de que o capitalismo convulsionaria em sucessivas crises. Assim, o sistema sobreviveu por concessões. O Estado de Bem-estar social é o Estado do capitalismo amenizado, fenômeno próprio e inerente ao breve século XX. É próprio desse fenômeno do Estado social a segunda dimensão dos Direitos Humanos, a perspectiva do Estado como ativo em prol da igualdade social. É desse contexto que foi gerado o art. 6º, ou seja, os direitos sociais presentes na constituição de 88.
            Esse fato é essencial, pois, por uma análise histórica, percebe-se que a segunda dimensão de Direitos não está abaixo nem acima da primeira, a dos direitos individuais ou civis. Desta feita, não há sentido em estabelecer uma norma sobre a outra, até porque existe uma hierarquia de ordenamentos sim, mas estamos falando somente de normas constitucionais.
            O juiz encontra ferramentas para decidir em caso de conflito de normas. Por mais que os autores do positivismo jurídico queiram fazer crer que a norma é soberana, os diferentes caminhos escolhidos pelos magistrados são fruto de uma percepção ideológica. E são advindos, igualmente, da prática observável. Ou seja, embora as duas vertentes de normas sejam fundantes do Estado, não há no Brasil o efetivo direito a moradia, mas há, claramente, o direito a propriedade privada. Os operadores do Direito, embora talvez não conscientemente, estão de alguma forma sabidos da forma como a Constituição se firmou no Brasil e como ela não foi capaz de alterar a realidade secular brasileira. E aplicam as normas também porque sabem que nem todos são iguais perante a lei e que as pressões sofridas pelos mesmos, quando se alinham a grupos menos favorecidos, podem ser fatais para suas pretensões de carreira.
            A decisão de indeferir os pedidos de acesso ao terreno por parte de centenas de moradores, em prol da massa falida do Sr. Naji Nahas é uma decisão que reforça o que Marx dizia sobre o Direito. O idealismo de Hegel falhou porque pensou que as ideias moldariam o mundo. O que Marx atentou, e que é a base da sua dialética, é que o mundo molda as ideias. O fato da Constituição falar sobre direito à moradia não quer dizer que na prática o judiciário se posicionará em prol dos menos favorecidos, mesmo que tenha elementos legais para tanto.
            A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB 2010, diz claramente no seu artigo 5º que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Diz o comentador Gustavo Ferraz de Campos Mônaco, livre-docente pela FDUSP, que “o direito, na qualidade de fenômeno cultural, exprime os valores de determinada sociedade, em determinada época. Diante de vários valores possíveis, o Direito elege, por meio de órgãos competentes para tal escolha, aqueles valores que quer ver protegidos, seguidos, respeitados pelos membros do grupo social, inclusive pelos juízes no processo de aplicação da norma jurídica” (CC Comentado - Editora Manole, 2013).
            Entretanto, mesmo a Lei de Introdução se constituindo como um conjunto de normas norteadoras da interpretação do Direito Brasileiro, os juízes de primeira e segunda instância ignoraram suas disposições ou a interpretaram de maneira bastante duvidosa para sustentar a remoção das famílias.

A reclamação da ADMDS.

            A reclamação da ADMDS tem como elemento mais interessante à essa discussão a exposição dos fatos: São José dos Campos, mesmo sendo um dos municípios mais ricos do Brasil, possui um déficit habitacional de 30 mil moradias. Também é notório que os removidos não teriam como encontrar outro abrigo, uma vez que o valor pago para aluguel é irrisório. Além disso, qualquer sujeito minimante informado sabe que a Polícia Militar paulista é uma das mais violentas do mundo e a remoção seria certamente problemática, o que prova que os juízes não cumpriram as premissas de aterem-se aos resultados práticos de suas decisões, flutuando suas consciências apenas na prerrogativa idealista e parcial de umas poucas normas.

            A perspectiva dos reclamantes da ADMDS coaduna-se com a perspectiva marxista: “Para que não restem dúvidas acerca da violação de normas procedimentais, aponta-se agora a existência de procedimentos para situações do gênero. Adota-se na presente reclamação uma forma que descreve a realidade (o ser) para então se discutir a norma (o dever-ser).” Ou seja, os reclamantes partem do real para discutir a norma, não pretendem dominar a realidade pelo idealismo normativo. Isso demonstra que a norma pela norma é um princípio frágil e perpetuador do Direito como ideologia burguesa.


Conclusão

         Concluindo, o direito tem avançado no sentido de absorver os tensionamentos sociais, numa clara demonstração de poder de determinados grupos, o que prova que a prática é essencial para o avanço das demandas sociais. Se o capitalismo não convulsionou em crises reiteradas, ainda assim, são casos como Pinheirinho que demonstram que o direito mudou, mas a mentalidade de seus aplicadores ainda parece estar atrelada a uma dada perspectiva de classe. Para além, Marx, se não é suficiente para explicar tudo, traz contribuições interessantes para o campo jurídico que demonstram que muitas vezes o Direito mais se assemelha a um véu que se assenta sobre realidades muito discrepantes.

Victor Abdala de Toledo Piza - 1o ano DIREITO NOTURNO.

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