domingo, 30 de novembro de 2014

Do purgatório de Hegel ao paraíso de Marx

Muito se questiona sobre a dialética idealista hegeliana e sobre sua distância para a realidade tangível das instituições humanas de poder. Muito pelo contrário, ao considerar o espírito humano como fator preponderante em todas ocorrências na sociedade, Hegel ressalta a importância individual das ações na análise do caso, posto que cada alma individual é composta em conformidade (ao menos em parte) com o seu demiurgo onipotente: Deus. Inclusive, o processo histórico e cultural se delinearia também como expressão desse “espírito” (que não necessariamente se confunde com o conceito de alma em substância). Partindo então de um processo dialético que parte das quimeras do imponderável até a mente pífia e ingênua do homem, calculam-se as inépcias e aprendizados por experiência e que levam ao ápice da racionalidade.
Ora, como o desenvolvimento irrestrito do pensamento requer total uso das potencialidades dos sentidos então a liberdade surge como o alicerce basilar nesse diapasão.
Assim, com a necessidade de assegurar tal liberdade – justificada inclusive no dom primaz concedido por Deus: o Livre Arbítrio –, surge o Direito como expressão maior e inviolável desta estrutura. O Direito a todos deve tutelar, a todos amparar, de nenhum se esquivar.
No entanto, assumindo o Direito como expressão máxima da liberdade, este deve ser geral, não abolindo as particularidades, mas assumindo que o ápice da razão leva o coletivo a se sobrepor ao individual – e por individual aqui leia-se o interesse egoísta no coração de cada homem. O ideal é então a justificativa para a inviolabilidade da norma e, ao mesmo tempo, o atestado de confiança na derradeira razão humana: una, coesa – e não necessariamente única.
Já ouviram aquele velho ditado, “quem desdenha quer comprar?”
Pois bem, Marx e Engels compraram sim.
É bem verdade que Marx e Engels decidiram tomar a estrada de Hegel (também tomada de parte por Fichte, Shellin) ainda que pelo sentido oposto, mas tomaram.
Imersa em suas convicções, a dupla dinâmica do capital irá questionar até que ponto o Direito servirá aos interesses do famigerado status quo.Aí entramos no nosso caso, vamos aos autos:
O que vale mais, o direito já positivado da propriedade privada – base de nosso sistema capitalista?
Ou o direito a moradia, também mais do que positivado e mais do que compreendido?
Analisando o sistema legal chegamos a um impasse: empate técnico (insira aquela carinha triste do whatsapp aqui).
Mas vamos aos critérios de desempate...opa, só que não!
Detive meus frágeis pensamentos nesse ponto: por que devo escolher por um dos direitos se o Direito tecnicamente tutela ambos?
Por quê?
Por que não posso simplesmente assumir a indissolubilidade de ambos os direitos e fazê-los cumprir a meta pela qual foram forjados nas entranhas de cérebros mais perspicazes que o meu?
O
ra, o direito a propriedade já é algo tão duramente rebatido, mas assumindo sua necessidade incontestável será que se ele fosse de fato assegurado e todos tivessem condições materiais de conquistá-la já não teríamos aí também o direito a moradia já incluído? (Sim, estou sendo deliberadamente idealista, só para fins de ilustração =P)
Mas eis
o cerne da questão: o problema talvez não seja a propriedade privada em si, mas a privação da propriedade – e vejam, há uma diferença!
A discussão talvez seja o porquê de o direito das famílias assentadas em Pinheirinho não ter sido assegurado desde o princípio. E quanto as demais favelas de São José?
Confesso, interessado pelo assunto, andei pesquisando a quantidade de terrenos vagos no perímetro urbano em posse da prefeitura ou de particulares bem como sua avaliação de mercado. Pois bem, fazendo uma conta rápida na ponta do dedo, considerando um terreno de cerca de 200 a 250 m² como suficiente para a moradia feliz e confortável de uma família com até 6 membros
esta custaria por volta de 350 mil a meio milhão de reais. SÓ o terreno, sem edificação. (foi então que a dignidade da minha pessoa humana se ruborizou).
Será que o direito a propriedade foi respeitado desde aí? Propriedade para ESTAS pessoas, logicamente.
Não, não foi. Por conseguinte a moradia também se fragiliza.
Mas o erro já começa muito antes: quando um suposto Estado Democrático de Direito que bebeu na bica e no alambique e se embebedou um pouquinho que seja do Estado de Bem Estar Social permite que 2 direitos marcantes do homem: a moradia e propriedade sejam reféns agonizantes de um processo de especulação
financeira, aí tem algo muito errado!
Além das famílias do Pinheirinho, quantas outras não padecem de caso semelhante em outras favelas da região? Quantas outras famílias se sacrificam para conseguir pagar um aluguel superfaturado simplesmente para ter onde se assentarem?
Se olharmos estas perspectivas, não é difícil compreender a decisão da juíza.
Marx estava certo afinal, o Direito serviu à classe dominante...





O
PA, calma lá! A discussão não foi justamente a forma como o direito fora ignorado desde o começo?
Então talvez seja a falta de cumprimento
da norma que ocasionou todo esse problema. Se o Direito fosse observado então teríamos tudo bem. Foi a falta de realização das normas que serviu ao status quo. Tecnicamente Marx também está errado, não darei o braço a torcer. HahahahahahaÉ, eu sei que de qualquer modo chegaremos a um ponto em que admito que Hegel foi demasiado otimista ao pensar que todas as mentes prezariam pelo Bem Maior. Em sua última defesa, lembro-vos que Hegel não era um pré adolescente ingênuo e apaixonado por uma moça chamada humanidade a quem revestiu de honra e glória pelos séculos dos séculos. Ele somente tinha fé em uma consciência interior e anterior ao homem, (Deus) sem a qual a razão pura faria dos homens escravos de suas egocentricidades. Então de certo modo Hegel já havia deixado avisado que não era pra acreditarmos totalmente em suas concepções: a filosofia de Hegel é para homens apaixonados, e só para estes ela faz sentido. O erro foi, ao que parece, desejar que um dia todos os homens fossem apaixonados: por si mesmos, pela humanidade. E por paixão leia-se a origem paxos que remete a sofrimento. Logo, um sofrer por gostar. Sofrer por ainda acreditar.
Na prática, poderia o executivo ter desapropriado qualquer outro terreno da cidade (e há muitos vagos) para assentar as famílias. E dinheiro não é problema, pois a caderneta de IPTU já é defasada em relação ao preço de mercado por conta disso: se precisar desapropriar, pagará menos, BEM menos.
Poderia a juíza ter entregue Pinheirinho às famílias. Mas por mais que eu saiba
e todos nós saibamos que a perda da propriedade representa bem menos para a empresa do que para as famílias, cumpre lembrar: que direito tem o governo de espoliar a propriedade de alguém para suprir sua própria inépcia? Falando às claras: o quê os acionistas da SELECTA têm a ver com o problema das famílias?
Calma, não estou sendo reaça, mas o problema seria justamente assumir que este assentamento supriria os problemas. É um paliativo e é medida demagógica. Reforma política resolve, talvez reformas legais. Simplesmente tirar direito de um para dar para o outro não resolve. O Estado não é Robin Hood. É Estado, e deve a todos tutelar.
Até lá, no entanto, reservo-me o direito de pensar:
A juíza errou em sua decisão, mas de certa forma não teria muito como acertar.
Qualquer decisão que tomasse feriria um direito importante. E não, embora pareça-nos bastante sedutor tentar hierarquizar direitos, há de ser pensar que o DIREITO foi justamente positivado para que não precisássemos abrir mão de garantias. Ao fazê-lo acabamos nos conformando com a situação. Matamos a essência do Direito.

Permito-me por fim dar meu voto de minerva aos réus:
- Marx, não te confiro razão: por mim te tiraria do paraíso das ideias em que te colocaram, mas já que as chaves do Paraíso não foram dadas a mim, daí não posso te tirar. Só observo essa zoeira.

- Hegel, teu idealismo não condeno. Tampouco elevo-o ao Paraíso. A ti reservo o reconhecimento do purgatório,
que os anos te tragam melhor fortuna.


Aos dois, equilíbrio.
Às famílias: perdão! Perdão por termos matado o Direito e, mesmo morto, ainda esfaquearmos repetidas vezes o defunto enquanto sua carcaça se despedaçava. Torço para que as próximas gerações tragam alguém capaz de revivê-lo e protegê-lo: e através dele, vocês!

À humanidade, só desejo mais Paixão. Paixonites ou Paxos (leia-se Páksos), não importa. Só saiam do coma do inconformismo ao
qual nos relegamos.
E a verdade é essa: estamos todos em coma.
E nenhum gigante acordou.



Adolfo Raphael Silva Mariano de Oliveira Turma XXXI – Noturno.

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