domingo, 23 de março de 2014

Lumen Fidei*


Lumen Fidei*



Para Descartes, o bom senso é inerente ao homem e distribuído a todos de uma forma uniforme. Ou seja, se os julgamentos se diferem, são pelas considerações próprias de cada indivíduo e pelos caminhos distintos em que constroem seu raciocínio. Assim, deixando de lado quaisquer presunções – sejam estas manifestas na forma de dogmas ou na certeza de ele próprio ter escolhido um método infalível -, o método cartesiano é pouco a pouco delineado não como uma estrada propriamente dita, mas como uma trilha tênue na qual cada indivíduo pode ao menos encontrar uma referência na construção de suas próprias convicções.

René não desdenha a teologia ou a filosofia, buscando destoar seu raciocínio destes, mas antes, entende que ambas escolas de pensamento não são as mais adequadas para se construir um princípio ou método. A primeira, por pressupor a fé como fundamento. A segunda, por gerar tantas verdades quantas mentes se empenham em sua lapidação. Deste modo, busca um certo distanciamento na confecção de seu método, afim de que este não seja refém das proposições de outras áreas cujos fundamentos não podem ser devidamente amparadas pela razão.
De fato, partindo não do ceticismo – o qual ele próprio condena -, mas de uma dose de desconfiança saudável, seu caminho busca a comprovação indubitável de fatos e princípios que possam ser admitidos. Na famosa máxima, inclusive, o “Cogito Ergo Sum”, percebemos que a essência do homem é o pensamento. Tudo que daí surge é passível de especulação e deve ser examinado com a maior temperança possível e sem extremismos – como o próprio Descartes avalia - afim de que se evite sair muito do caminho em caso de erro.
Aliás, apartado de erros e imperfeições somente Deus - como o próprio autor sugere -, em cuja perfeição toda nossa existência se deita. Deita-se de fato, encostado à sombra de um ser perfeito, sem contudo compreendê-lo. Não porque d’Ele não somos dignos, mas porque seu entendimento pleno está nos sentidos e não na razão. Afinal, “Deus Caritas Est” – “Deus é amor”, como diz João – o evangelista. Acolhamos então em nosso íntimo – se assim quisermos – as razões de Deus. Para a vida quotidiana e seus planejamentos, no entanto, passemos a buscar uma lógica mais prática, afim de que não fiquemos perdidos nos vazios da mente. Até porque, como dizem os sábios, o amor tem razões que a própria razão desconhece.

* Termo latino que significa "À luz da Fé" em tradução livre. Ainda, é o título da primeira Carta Encíclica do Papa Francisco. Escolhi-o para representar um certo respeito à fé religiosa, respeito tal evidente no discurso de Descartes.

Adolfo Raphael Silva Mariano de Oliveira  - XXXI Direito Noturno - UNESP

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