segunda-feira, 25 de março de 2013

Leia se quiser uma certeza


“Morri de pneumonia; mas, se lhe disser que foi menor a pneumonia, do que uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor não me creia; e todavia é verdade. [...] Essa ideia era nada menos do que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. [...] Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra pra mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: amor da glória. [...] A minha ideia, depois de tantas cabriolas, constituíra-se ideia fixa. Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho. [...] Vinha a corrente de ar, que vence em eficácia o cálculo humano, e lá se ia tudo. Assim corre a sorte dos homens.”
(In: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis)


       Uma renomada física em conflito com os valores éticos em seu trabalho, um poeta sem grandes vendagem e fama, um popular candidato à presidência dos Estados Unidos que necessita de nova estratégia eleitoreira. Três personagens aparentemente desconectadas encontram-se em região no interior da França e dão início a um extenso diálogo, enredo de “Ponto de Mutação” (1989), filme aparentemente raso de Bernt Capra, que vai além do pretenso ambientalismo militado pela cientista, mas nos apresenta firmes questões sobre a existência.
        O aspecto central da discussão torna-se, à certa altura, o cientificismo extremo, herdado de clássicos como Descartes e Bacon, e transmitidos às relações sociais as quais desenvolvemos. Somos além de peças, meros instrumentos metálicos, frios, imutáveis e gerais, como bem metaforizara o filme. Temos vida, emoções, anseios e medos, bem como outras especificidades que são a beleza do ser.       
        A conversa aprofunda-se e as personagens aportam no mais repetido e controverso questionamento da humanidade: existe um real sentido para a existência humana? Seríamos apenas alguns bilhares, com nossas vidas interligadas, estritamente, por relações econômicas, ou há algo superior que reja-nos, ordene-nos? Somos realmente livres e independentes? Perdoem-me, apresento a problemática, mas não ouso respondê-la com certeza, tal qual o defunto-autor, e finalizo com uma contradição: abusemos da dúvida cartesiana!

Eduardo Matheus Ferreira Lopes, Direito diurno.

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