terça-feira, 4 de setembro de 2012

Medo, Passionalidade e Racionalidade


“Um homem conhecido por João Augusto (Gugu) foi linchado por várias pessoas na Vila de Curuai, região do Lago Grande, no município de Santarém. O crime aconteceu ontem, domingo. João Augusto, após cometer um assassinato no sábado na localidade de Cruzador, região do Lago Grande, às margens da Translago, durante um torneio de futebol, fugiu do local e se embrenhou na mata. Um morador da área conseguiu localizar João Augusto e o atingiu na perna, com um tiro de espingarda. A Polícia conseguiu prender João Augusto e levá-lo para o Centro de Saúde de Curuai. A população revoltada com o crime praticado por João Augusto invadiu o Centro de Saúde, tirou o acusado das mãos da Polícia e fez justiça com as próprias mãos.”

  Após a leitura da reportagem a qual pertence o trecho acima, é possível encontrar certa relação entre os elementos sociais que remete às ideias expressas por Durkheim em “A Divisão do Trabalho Social”.
  Primeiramente, é necessário notar que, na concepção durkheimiana, solidariedade mecânica e solidariedade orgânica apresentam-se, respectivamente, nas sociedades pré-modernas e modernas.  Assim, em tese, as sociedades contemporâneas deveriam se orientar pela racionalidade ao invés da passionalidade. Porém, como pode ser observado na reportagem, essa não é a realidade. A influência da consciência coletiva ainda não foi superada, fazendo da punição como exemplo uma necessidade para que o crime não ocorra. Apesar de primitivo, o pensamento tem sua lógica, consistindo essa na repressão de tudo o que é nocivo à consciência coletiva, ou seja, na eliminação de tudo o que causa medo, que é potencialmente destrutivo.
  O ato de fazer “justiça com as próprias mãos” foi fruto da revolta da população local. Porém, com que intuito essa população se mobilizou? Dor e revolta não são os únicos sentimentos responsáveis por tal ação. O verdadeiro sentimento que impulsiona qualquer manifestação, não sendo esta exceção, é o medo. O medo advindo da impotência dos que sofrem a perda de que essa situação volte a ocorrer é o suficiente para que se forme uma consciência coletiva; assim, a partir de então, as partes recebem cargas valorativas: o assassino é um mal para a sociedade, o que ele fez é um crime e, portanto, deve ser punido; do outro lado está a população: vítimas, inocentes que correm perigo. Assim, para que o equilíbrio social seja restaurado, a sociedade deve se unir para que aqueles que causaram o distúrbio sejam reprimidos e não voltem a praticar atos que contrariem a consciência coletiva então formada. Assim, o linchamento foi a forma de repressão utilizada pela população local. 
 Mesmo com a  predominância da passionalidade, a solidariedade orgânica não está extinta, podendo ser encontrada na mesma reportagem. O próprio título (“Tragédia: Homem é linchado após assassinar comunitário na Vila de Curuai”) é um exemplo, pois, ao afirmar que se trata de uma tragédia, expressa aversão à repressão. Novamente, uma mistura das duas solidariedades está presente no 11º comentário ao texto, no qual uma leitora diz que “A justiça de Deus não falha, mas a população não aguenta mais tanta violência e impunidade. Casos de justiça com as próprias mãos estão mais comuns, e não se limitam só a vilas ou cidades pequenas, os moradores das capitais também não estão mais tão tolerantes com a violência. É preciso mais segurança e mudança nas Leis, para que assim, a população possa confiar na justiça dos homens”. A ideia de religião ligada à justiça é característica da solidariedade mecânica, mas a menção de leis já denota preferência pela solidariedade orgânica, ou seja, pela racionalidade. 
  Apesar de Durkheim dividir o Direito em repressivo (passional) ou restitutivo (racional), sociedade alguma pode ser enquadrada em apenas uma das classificações. O Direito é dinâmico, podendo esta ser uma característica boa ou ruim de acordo com a maneira com a qual for empregado. É uma questão de proporção.

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