domingo, 26 de agosto de 2012

De Aristóteles a Von Trier.


   




  Nós,  sociedade contemporânea, ao contrário de que esperava Durkheim, não somos em essência solidariedade orgânica, mas sim um eterno e complexo jogo retórico e dialético entre essa solidariedade e a mecânica.
   O individualismo funcional da organização orgânica só existe até o ponto em que serve de pretexto para suprimir qualquer ideia de igualdade, legitimando o pensamento capitalista de funções quase que biologicamente outorgadas a cada qual, assunto já tratado em texto anterior aqui publicado.
   Quando o assunto é extraído do âmbito legal-capitalista, aflora-se o desengonçado e tirânico corpo mecânico de nossa sociedade, o receio pela anomia social constrói um ditador incomensurável, de massas,  talvez chamado por Aristóteles de demagogos em lato sensu.
  Esse corpo se legitima pelo simples ato de sua existência, pressupondo-se irrefutável. A pena , exercida por esse, tem a função de restaurar a consciência coletiva, sancionada pela massa como unicamente sua. Faz-se o castigo pelo castigo, sem pretensão de proporção ao mal causado ou zelo pela posterior reinserção do punido.
   Von Trier, em seu espetacular Dogville, constrói um desconfortável retrato da consciência  pseudocoletiva agindo mecanicamente contra a não tão inocente Grace. A força desse ímpeto de massas é tão intensa que impede controvérsias e mesmo os que dela discordariam são carregados pelo todo, sem tempo para questionar-se, como em uma enxurrada rumo a derrubar e arrastar consigo aquilo que foge do “padrão”.
    Como já dizia Montesquieu, toda pena que não advier da absoluta necessidade é tirânica.  Na interpretação durkheimiana de punição, encontro a desconfortável conclusão de que a forma como se aplica e pelo motivo que se aplica a pena constrói uma tirania coletiva. Derrubamos o príncipe e nos instalamos em seu lugar para tomada de decisões não menos arbitrárias que as de outrora. 

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