Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Entrelinhas
É fato que o aspecto sagrado, nos primórdios do Direito, se fazia especialmente notável, forte, evidente. Mas e quanto a contemporaneidade? A era da tecnologia, momento em que a racionalidade e a objetividade são tão valorizadas. Como a subjetividade de uma moral religiosa encontra espaço? É simples: as sociedades evoluem, se complexibilizam, transformam... Mas não rompem totalmente com a história já construída, há aspectos que permanecem entranhados na dinâmica social que até então é conhecida pelo homem, sobrevivem ao tempo. Podem mudar de aparência, sofrer algumas adaptações, mas sobrevivem. O antigo atua no novo, constantemente.
Assim, mesmo tendo uma estrutura jurídica que a cada dia incorpora ou se volta para aspectos tão inusitados da atualidade, ela ainda se pauta, ainda que nos mínimos detalhes, no que se construiu, social e historicamente, no âmbito do sagrado.
Nesse sentido, o ideal de justiça está intimamente ligado, nas diversas sociedades, à moral religiosa. Em umas mais forte e evidente, como na islâmica, em que a prescrição de leis de direito penal e comercial convivem com as normas religiosas ritualísticas numa mesma estrutura jurídica, compondo um Direito de duas faces. Já em outras, como na brasileira, é preciso um olhar ligeiramente mais atento, já que as manifestações moral-religiosas passam a ocupar as entrelinhas da estrutura jurídico-normativa. Assim, tem-se como exemplo os juramentos, que ainda guardam certo ritual. E claro, as perspectivas acerca do certo e do errado, os diversos pudores ainda tem significativo direcionamento cristão, sendo que o Direito é o grande setor da sociedade incorporador de juízos de valor.
É preciso, no entanto, que caminhemos no sentido do desencantamento e impessoalidade, para que o Direito exista apenas como meio de garantir equilíbrio de forma justa entre os indivíduos em sociedade.
Os preceitos sagrados e seus domínios
A idealização do Direito
Modernidade religiosa?
O recente fenômeno da criação de finanças intituladas “islâmicas”, com base na sharia, expressa a utilização de elementos não racionais (religiosos) até mesmo nas formas de acumulação no mercado financeiro. Tal fenômeno demonstra que os elementos sagrados continuam permeando fortemente a sociedade na atualidade. Na modernidade, ainda que se queira primar pela racionalização, certamente o homem continuará impregnado pela cultura, politica e tradições de relações pretéritas.
O direito, em sua origem racional, deve ser desprovido de qualquer encantamento (sentimentos e desejos mágicos) e pessoalidade (vontades pessoais ou de grupos de interesse), além de ser movido por um corpo de profissionais técnicos selecionados para tal fim. O Direito sacro influenciou por muito tempo áreas específicas do Direito, em especial nas dimensões do direito familiar, do direito de sucessão e no direito mercantil.
Quando as normas eram religiosas, o governante responderia diretamente aos deuses, ou a interpretação dos sacerdotes favoreceria as vontades do governante.
Somente quando se tornam normas abstratas do mundo terreno, é que se pode impedir ações arbitrarias dos governantes, pois são incontornáveis – apenas os homens poderiam as modificar, e não aqueles escolhidos pelos deuses. O novo ordenamento, entretanto, não se torna impermeável. Hoje, a pressão religiosa influi até mesmo em países laicos, como fator relevante na condução das discussões nacionais, ao se fazer tão presente na vida da população e contribuir para sua organização.
Perspectiva histórica - Religião e Racionalidade do Direito brasileiro
No Brasil, a codificação do século XIX sofreu, em parte, influências liberais. Influências estas adquiridas durante o processo de Independência, herança das grandes transformações por que passaram as sociedades européias durante o período de revolução.
Vale dizer que este liberalismo divergia em alguns aspectos com aqueles ideais da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos, já que aqui não houve uma grande revolução durante este período e muito menos existia uma burguesia para idealizá-la. Desse modo, ainda que existisse então um caráter liberal nos documentos normativos que regeriam a sociedade, as oligarquias e o clero ainda controlavam grande parte do poder e por assim dizer, permaneciam com seus interesses garantidos pelo poder político.
Naquele período a Igreja ainda era muito influente na política e ainda não havia deixado de fazer parte da classe nobre da sociedade. Quando elaborado o texto da primeira Constituição genuinamente nacional, em 1824, a idéia de se criar um Estado laico era inaceitável ao clero que já estava acostumado ao patrocínio real que recebiam desde quando se instituíram no país, e por isso, era instaurado o catolicismo como religião oficial da nação na outorga desta Constituição.
A racionalização do Direito começa a surgir com influências iluministas e liberais, e é algo mais recente do que se imagina. Ainda podemos encontrar muitos resquícios em diversas áreas do Direito, como por exemplo, na proteção à instituições como a família.
Ainda que assim o seja, não se deve apenas criticar a não existência de um Estado completamente laico. Não se sabe quais seriam as conseqüências de um Estado sem influência religiosa alguma, já que por vezes, a religião entusiasma a prática do bem, sendo por isso, considerado por muitos “o ópio do povo”.
Por fim, vale dizer que o Direito não é uma ciência estagnada. Ela acompanha, a seu ritmo, a dinâmica da sociedade. E já pudemos ver nas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (embora excedendo os limites de suas atribuições – mas isso é outro assunto que não cabe ser discutido aqui), uma radical mudança com relação a religiosidade e a racionalização do direito, quando reconhecida a união estável homoafetiva, e ainda nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 66 que dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, e dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil através de um processo de divórcio direto.
difícil separação entre religião e direito
A atualidade do caráter invasivo da religião
O Direito nasce indissociado da religião, como técnica de formalização dos postulados sagrados e imposição de sansões. Diversas foram as transformações ocorridas para que se propusesse a separação entre esses dois institutos, ou seja, a laicização do Estado e do Direito.
É possível perceber, no entanto, que a dissociação não foi completa, a ruptura ocorreu no plano formal, mas de fato, ainda há muito do ‘sagrado’ no direito.
“... fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” Esse é o trecho final da Constituição brasileira de 1988. Como pode um Estado ‘laico’ estar ‘protegido por Deus’? essa é só uma das controvérsias geradas pela sacralidade X laicidade do direito. A influência da religião vai muito além, os grandes conflitos normativos reais do direito, ou seja, aqueles referentes a princípios fundadores das normas geralmente são entre princípios de origem iluminista/liberal e princípios oriundos da moral judaico-cristã.
Um exemplo é o conflito existente no caso do abortamento de feto anencéfalo. Alguns julgados julgam procente a ação para a realização do abortamento, enquanto outros tribunais, julgam improcedente. A explicação para julgar-se diferentemente casos praticamente idênticos está no princípio considerado mais importante para os juízes. Para alguns é o de dignidade da pessoa, criado no contexto iluminista, que levado ao extremo considera o feto desprovido de cérebro sem dignidade, ou seja, seu direito à vida é condicionado pela dignidade; Para outros, o direito à vida é absoluto, esse princípio é notadamente de origem sacra, e influencia o direito de maneira exorbitante. O mesmo ocorre no caso da eutanásia.
A religião tem o poder de transformar alguns temas em tabus, torna-los indigestos, desviar deles a racionalidade. Alguns tabus começaram a ser quebrados de maneira mais evidente como a virgindade, a homoafetividade, o divórcio, entre outros; mas o estigma e algumas vezes repulsa, em todos eles, permanece, em intensidade variada.
Fazer com que um Estado de Direito seja o mais próximo do racional e laico possível é um desafio, pois os cidadãos a esse Estado submetidos quase sempre possuem uma religião, assim como os operadores do Estado e, mais especificamente, da Justiça. Sendo assim, a luta por um governo sem preceitos morais sacros nada mais é do que reflexo da luta contra os preconceitos, tabus e ídolos na própria sociedade, como já dizia Bacon em relação ao método das ciências. O direito poderá se tornar mais razoável a medida em que a religiosidade não se extinga mas perca seu o caráter invasivo, presente nas doutrinas mais difundidas, que consiste em persuadir/constranger o outro a acatar suas leis morais.
"Época triste a nossa, mais fácil quebrar um átomo do que o preconceito!" - Albert Einstein
Equilíbrio entre racionalidade e religião
A religião e o direito - ontem e hoje
Esse distanciamento da religião foi um do primeiros passos que levaram a racionalização do direito, que continuou com a adoção de métodos em geral aplicados nas áreas exatas e biológicas, que é a necessidade da prova, da comprovação do fato, para que a partir disso se possa exigir, garantir o seu direito.
Mas apesar de todas essas transformações, ainda há resquícios de irracionalidade no mundo jurídico. Rituais, mantidos somente pela tradição, sem nenhum valor efetivo comprovam esse fato. Mas além disso a influência da Igreja na tomada de decisões por parte dos governos também é algo ainda presente, algo que continua a ser discutido, como no caso da aprovação do aborto, e da união homossexual.
Entretanto, a presença do sagrado, da religião na direito é compreensível, já que o direito é criado, controlado pelos homens, pela sociedade. Desse modo estão sob a influência de tudo o que governa, que faz parte do ser humano, e a religião é uma delas, sendo que o ordenamento jurídico se modifica juntamente com a sociedade. Como por exemplo no casi de biquínis serem antigamente proibidos em praias, e serem hoje vistos com normalidade.
A relação entre política e direito
Como então, garantir que o poder político não distorça o sistema jurídico ao seu bel prazer, tornando este volúvel e pouco confiável, tal qual em um Estado primitivo, no qual a figura do príncipe era que ditava a lei?
Os representantes que editaram nossa constituição também se perguntaram essas questões, e a partir daí organizaram uma série de dispositivos na constituição que visam controlar a distorção que um representante político possa causar ao ordenamento jurídico. Ou seja, eles não impediram que o poder político pudesse alterar o direito, até porque essa é uma das atribuições que ele deveria ter, somente estabeleceram alguns dispositivos para que a cada mudança que tiver que ocorrer, haja um processo cuidadoso e racional para evitar abusos.
De forma racional e calculada, tais representantes constituintes criaram dispositivos como a necessidade de maioria qualificada no congresso para a criação de emendas constitucionais, de forma que somente um projeto em que haja concordância quase unânime do congresso possa modificar o mais importante documento jurídico do país, o deixando a salvo de volubilidades momentâneas e batalhas partidárias do campo político. O tempo estabelecido de mandato legislativo também é outro desses dispositivos, de modo que a cada 4 anos temos uma renovação pelo menos parcial do congresso, dificultando que raízes profundas dos representantes se finquem, e que esses possam passar de defender os interesses do povo a defender seus interesses pessoais.
Claramente esses dispositivos muitas vezes não são efetivos, e algumas disputas políticas podem ter consequências trágicas para o povo por meio do sistema jurídico do país, mas a relação entre a política e o direito na contemporaneidade se encontra regrada e de uma forma majoritariamente eficiente racionalizada para o melhor funcionamento da sociedade democrática.
Direito e Religião
Tema: O espaço do sagrado no direito atual.
Ao analisarmos o texto apresentado em aula durante a semana passada, uma discussão de enorme relevância ganhou destaque. É aquela concernente à relação do Direito com a religião. Primeiramente, é importante fazermos uma análise dessa questão no âmbito brasileiro, no passado e na atualidade. Em segundo lugar, uma análise global faz-se fundamental, sobretudo nos dias de hoje, para que haja uma compreensão integral da discussão aqui abordada.
Com relação ao ordenamento jurídico brasileiro, é importante destacarmos a influência que a religião, sobretudo a católica, sempre teve na legislação brasileira. Por exemplo, o nosso Direito Familiar, principalmente relativo ao matrimônio, sofreu enormes influências do Direito Canônico. Além disso, a visão referente ao “bom cidadão” presente nos códigos brasileiros sempre foi influenciada pela ideia católica. O “bom cidadão” geralmente era visto como aquele que não tinha vícios e nem “pecados capitais”.
Logicamente, muitas mudanças ocorreram ao longo do tempo. O nosso Direito atual não está mais tão impregnado de ideais católicos como antigamente. Isso não se deve, somente, ao crescimento de outras religiões em nosso país, mas se deve, também, a uma maior racionalização do nosso ordenamento jurídico e a uma maior laicização deste. No entanto, a influência religiosa no nosso Direito ainda acontece. Ela se manifesta, por exemplo, na influência que as religiões exercem em casos legislativos. Os grupos religiosos, não somente católicos, se valem de manifestações, protestos, passeatas e outros para influenciarem a população e os parlamentares a aprovarem ou rejeitarem leis de acordo com suas concepções. E a aprovação ou não de leis, obviamente, repercute diretamente no ordenamento jurídico. São exemplos: os movimentos contrários à legalização da união homoafetiva; à oposição dada à legalização do aborto e outros.
No que tange a esfera global, faz-se mister destacar a importância que a religião ainda tem para a política e o Direito de alguns países, sobretudo, para os países islâmicos. Ainda vemos, sobretudo nestes países, muitas leis, penalidades e outros se basearem na tradição e na religião. Como é o caso, por exemplo, do apedrejamento de mulheres em caso de adultério ou do corte de parte das mãos dos ladrões. Essas penalidades se baseiam, sobretudo, em preceitos religiosos e tradicionais impregnados no ordenamento jurídico dos países que utilizam essas práticas.
Concluímos, portanto, depois dessa análise, o quanto o ordenamento jurídico brasileiro foi e ainda é influenciado pelas religiões. É importante sabermos que, sendo parte da realidade nacional, não conseguimos nos desvencilhar totalmente dos grupos religiosos. No entanto, nosso Estado é laico e o nosso Direito, consequentemente, também. Dessa forma, a influência religiosa deve ser dosada. Já no que concerne aos países islâmicos, a utilização da religião já faz parte do Direito. Não nos compete julgar se isso é certo ou errado. Só nos cabe perceber as diferenças destes países em relação ao Brasil.
Notícia:
Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/marcha+para+jesus+vira+ato+contra+uniao+homoafetiva/n1597044443203.html>. Acesso em: 07 nov. 2011.
Vídeo:
Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=rHm7RU8q-SY>. Acesso em: 07 nov. 2011.
O poder das crenças
Desvencilhando-se das amarras
Isso porque, quando pensamos no Direito como ciência social e na sua racionalização, parece ficar algumas lacunas mal preenchidas que desde um passado remoto até hoje representam as influências que o Direito sofre das concepções e dogmatismos advindos das crenças e religiões, seres e atos místicos e irreconhecíveis ao intelecto humano parecem ter maior importância do que a própria realidade e necessidade da sociedade. O Direito, a partir daí, perde sua função de solucionador de conflitos justo e imparcial, que analisa os casos baseado na racionalidade e não em crenças que não possuem um caráter de verdade absoluta.
Max Weber tenta mostrar em sua obra que o passado deve ser superado para que esse projeto de racionalização plena seja alcançado. Os elementos mágicos das religiões devem ser deixados para trás, os encantamentos devem ser ultrapassados pelo correr da história, assim como a impessoalidade deve ser finalmente alcançada para que se obtenha a verdadeira imparcialidade tão necessária para a completa racionalização do Direito.
Existem exemplos que às vezes, tendo em consideração o contexto atual, parecem incompreensíveis como, por exemplo, a descriminação do adultério que ocorreu em 2005, ou seja, há apenas seis anos atrás. Diante desses fatores, é importante que se pense a partir daqui qual o espaço que o sagrado possui no campo jurídico atual, e diante de uma resposta, deve-se indagar se isso é valido ou merece ser definitivamente modificado. Só então será possível buscar o desligamento total do uso arbitrário (baseado em crenças) do poder, ou seja, chegaremos afinal à chamada abstração plena do Direito.
Separação impossível
Dos males, o menor
Ainda que permeada por valores pessoais, ou seja, ainda que influenciada por tradições e sentimentos, a abstração normativa é mais louvável do que as relações pessoais na normatização da conduta humana; na medida em que diminui a dependência do indivíduo em relação à dádiva e/ou ao poder arbitrário da autoridade.
Comparando-se exemplos extremos, isto é, modelos de direito autônomo com modelos de direito vinculados a princípios religiosos, por exemplo, percebe-se maior liberdade no primeiro padrão.
Isso ocorre pois, neste padrão, o governante responde ao homem e, da mesma forma que os governados, também está submetido à norma; além disso, há relações complexas a serem analisadas e existe a necessidade de uma comprovação científica (prova).
Diferentemente, no modelo ligado a preceitos religiosos, o governante responde a Deus e não se submete à norma. A revelação divina possui intensa relevância, o que proporciona margem à ação discricionária do governante.
Assim, nota-se a vantagem da abstração normatiza reger o ordenamento jurídico. Vale ainda ressaltar que Weber defende uma abstração normativa de caráter universal que proporcione reflexões amplas e afaste interesses de grupos particulares da elaboração jurídica. Sendo assim, ainda que influenciada por valores pessoais, ou seja, mesmo apresentando desvantagens, a racionalização do direito é mais apropriada para a conquista da isonomia.
Direito Divino
O Direito como arma dos poderosos
O direito como próprio objeto da cultura
“Quanto mais o aparato de dominação era dominado por funcionários maior a tendência a dar à justiça um caráter racional”. O sentimento concreto leva a pessoalidade, não a impessoalidade do racional; Weber discute a permanência do sagrado, do político, mesmo que ele quisesse arrancá-los do Direito. Ainda que essa perspectiva da racionalidade não nasça com a modernidade, mas se intensifique com ela
O autor afirma que: “relação entre normas religiosas e Direito secular variou de acordo com a relação entre sacerdócio e o Estado”. Cria-se um questionamento: o que é melhor para o Estado - relação próxima do religioso ou não? Com a influência religiosa, o governante tem mais liberdade: norma abstrata, e não àquela feita pelos próprios homens; as normas do mundo dos homens tendem a ser mais universais. Por exemplo, os islâmicos estão sempre sendo pressionados por organismos internacionais pelas suas aplicações de pena de morte - engessamento da ação do governante. No entanto, do ponto de vista de leis divinas, isso não poderia acontecer.
Bipolaridade
Quando conhecíamos o sagrado.
Só tínhamos consciência do certo e errado
Quando conhecíamos o sagrado.
Por conseguinte o Direito e o Sagrado
Se criam mutuamente.
Não importa onde
Não importa quando
O legislador produz
uma cópia do sagrado,
A ordem original não se perde,
no tempo, nem nas culturas.
O produto primário,
é o produto final,
O dogma continua presente,
Seja disfarçado ou evidente,
Sempre perdurará perante o tempo.
O Direito como ponto de equilíbrio social
A religião, criadora de tendências e direito.
Desde os primórdios da vida humana houve a reverenciação de deuses. Primeiramente, o homem temia e endeusava os fenômenos naturais, acreditando que tempestades, terremotos, etc. correspondiam à ira dos deuses. Posteriormente, houve a criação de divindades humanizadas e da religião nos conformes da existente atualmente.
Nesse período todo, a religião ditou as regras das sociedades, permitindo ou proibindo certas ações que fossem contrárias à seus interesses e ao interesse coletivo. Um período que refletiu fortemente esta realidade foi a Idade Média, em que a Igreja controlava totalmente a ideologia, a moral e o direito.
Assim sendo, mesmo depois dos Estados passarem por várias reformas, entre elas a laicização (separação do Estado e da Igreja), a religião e o direito canônico continuaram influenciando fortemente a moral das sociedades e a codificação de leis. Tal influencia é facilmente percebida quando se tem em pauta os 10 mandamentos, por exemplo, e as leis penais. Já era punido desde aquela época o assassinato, o furto, etc.
A religião, portanto, foi e, ainda é um importante criador e mantenedor de tendências e de direito. Seu papel pode ter diminuído um pouco com o tempo, mas provavelmente sua força se manterá por algum tempo e com ela suas posições e influencias.
Desvínculo
O Direito nunca é só. Sempre sofre influências, sejam elas construtivas ou destrutivas, onde, quando e como quer que esteja.
As diversas faces do Direito
Ao longo da história nota-se a grande influência da religião na maioria dos atos da vida. É possível analisar sua relação com o ordenamento jurídico, mas sua interferência vem diminuindo durante os anos, porém acredita-se que dificilmente se desvinculará. Isto decorre da racionalização sofrida pela sociedade a partir do cientificismo e do desencanto religioso. As normas que antes eram rigidamente seguidas, por serem ditas divinas, passaram a se confrontar com o direito da época, e com as relações comerciais existentes, que demonstravam a vontade e os interesses de uma nova elite. Um exemplo de mudança que se fez necessária é a criação dos contratos para facilitar o comércio, que estava no seu auge, dando proteção jurídica a ambas as partes contratantes.
Resquícios de sacralidade no Direito atual
Além da ausência de separação entre leis religiosas e direito positivo típica de alguns territórios orientais, é possível observar que também no ocidente-em alguns casos- ocorre a influência do sagrado sobre o direito. Tal situação é exemplificada pelo fato de o aborto ser proibido em diversos países, tais como o Brasil, onde 31% das gravideses terminam em aborto e cujo Estado- mesmo sendo laico- adota essa proibição, que é condizente com a opinião da Igreja Católica brasileira sobre o assunto em questão. Constitui também um exemplo da referida influência o fato de- em território brasileiro- o adultério(conduta condenada pela doutrina cristã) só ter sido descriminalizado em 2005.
Constata-se que a interpenetração do sagrado no direito ocorre mesmo em terrtitórios ocidentais, que em sua maioria possuem um Estados laicos e são adeptos do capitalismo, o qual -visando ao mercado- pode tender a operar um processo desencantamento em relação às forças extraterrenas, em especial aquelas que condenam o lucro. Essa influência se deve ao fato de que o Direito deve ser condizente com a cultura do povo ao qual ele se aplica. Nesse sentido, a religião, como sendo parte da cultura, pode exercer influência sobre o Direito, inclusive nos Estado ditos desvinculados da religião.
Santo Direito
Começando pelo islamismo xiita persa, Weber mostra algumas das barreiras que a religião criou, como para a exploração da terra (bens de raiz). Ao se tornar competência de um tribunal teocrático, seguindo normas que não regulavam a “luta de interesses, o cálculo era impossibilitado por anomia. Por fim, “interesses capitalistas conseguiram impor a supressão dessa competência. O caso é típico quando à influência que a justiça teocrática, por toda parte, opõe e tem que opor, em virtude de seu caráter imanente, à economia racional.” (p. 111, Economia e Sociedade, WEBER, Max.)
Patologia
Observando-se as “civilizações” antigas, constata-se a grande influência do sagrado sobre o comportamento dos indivíduos. Tal fato levava a uma obediência estrita a esses preceitos como regras, normas a serem seguidas. Ao longo do tempo, ora essa união e influência –sagrado e normatividade – permaneceu, ora desvencilhou-se, ocorrendo uma secularização.
Discorrendo sobre o primeiro caso supracitado, Weber expõe que “persistia a mistura especificamente teocrática de exigências religiosas e rituais com as jurídicas. Nesses casos, começou uma interpenetração difusa de deveres éticos e jurídicos (...) sem precisão formal, isto é, um direito especificamente não-formal” (WEBER, p.101). A partir de então, autoridades viram-se detentoras de poderes, sendo limitados apenas pelas formas compromissórias religiosas. Ademais, ilustram a influência do que é sacro, na esfera cotidiana, e por, conseguinte, jurídica, as sociedades hindu, islâmica. Dentre essa última, o Alcorão e a sunna contribuíram para essa característica, de tal modo que: “o islã não conhece teoricamente quase nenhuma área da vida jurídica em que as pretensões das normas sagradas não impedissem o desenvolvimento de um direito profano” (idem, p.107). Hoje, por sua vez, tal fato persiste. Traços de caráter religioso adentram o universo dos negócios, por exemplo, em que empresas e investidores, na bolsa de valores, engendram mecanismos de forma a coadunarem com as regras sagradas. Além disso, no âmbito do matrimônio – direito civil – a ritualística é seguida (celebração do casamento, bem como o possível rompimento em caso de traição, exemplificando – havendo penas estabelecidas).
Noutra vertente, porém, há o caminho da secularização, a desvinculação do las do ius. Como motivos, encontram-se: interesse da autoridade em racionalizar as normas, ou de grupos de pessoas (como a burguesia) visando à sistematização das mesmas; desejo da constância e calculabilidade do procedimento jurídico, conferindo garantia de liberdade; repúdio ao arbítrio e inconstância subjetivista da justiça não formal. Desse procedimento, adotado principalmente no Ocidente, na contemporaneidade observam-se os variados códigos, leis, processos, constituições – estas, por sua vez, embasadas no aspecto laico. Todavia, apesar de em muitos casos polêmicos, tomar-se a bandeira da extrema racionalidade, conflitando-se e condenando preceitos sagrados, deve-se ressaltar a importância destes na elaboração do direito: “o direito religioso podia encontrar, com a secularização crescente do pensamento, um concorrente ou substituto na forma de um ‘direito natural’ filosoficamente fundamentado, que existia ao lado do direito em parte, como postulado ideal, em parte, como doutrina que com intensidade diversa influenciava a prática jurídica” (idem, p. 101). Outro ponto a considerar, por sua vez, também trata-se justamente dessa racionalização, permitindo o regulamentar de todo um ordenamento, conquistando objetivos outrora desejados (constância, fim do arbítrio do detentor do poder).
Assim, vê-se que, na atualidade, ocorrem tanto a união concreta do âmbito jurídico com o sagrado (em especial no Oriente), bem como a secularização. Nesta, não obstante a busca da racionalidade, é indubitável a observação, em sua maior parte, da influência do sagrado, da ética, da moral nas normas jurídicas – suas bases formadoras. Tal fato, em determinadas situações é criticado e repudiado, principalmente nos polêmicos, com o discurso de ser característica retrógrada. Mas seria um real avanço permitir, por exemplo, a morte de crianças no ventre da mãe? Ou seria retrocesso? Fato é que somente aspectos sagrados na condução das normas (muitas vezes não positivadas); ou apenas o aspecto racional das mesmas, desvinculado de considerações humanísticas levam ao risco de abusos, negação da dignidade e patologias, nas esferas do poder e do meio jurídico.
"Então entenderás a justiça, o juízo, a eqüidade e todas as boas veredas." Provérbios 2:9 ?
"Na própria origem histórica do direito, está a norma indiferenciada, de cunho moral e religioso.[...] não faltam exemplos da influência permanente de fatores morais e religiosos na vida do direito." Franco Montoro