sábado, 22 de outubro de 2011

Direito: o poder de fazer perdurar


Comercializar o futuro: será isso possível? Sim, e não numa realidade distante, mas hoje. O capitalismo se vale do arcabouço normativo para garantir a estabilidade e perduração no tempo. Assim, seguradoras se apóiam sobre a possibilidade de incidentes futuros e a previdência se pauta numa nova fase que um dia poderá chegar. E é nessa mesma lógica que posso investir hoje numa ação para 2015 ou pagar agora por uma cirurgia que farei daqui a um mês.
A peça chave nessa lógica capitalista se chama contrato. E por meio dele Direito e Economia se aproximam. O contrato é garantia, é retorno. É o que Max Weber constata: “Quem tem, de fato, poder de disposição sobre uma coisa ou pessoa obtém, mediante a garantia jurídica, segurança específica quanto à perduração deste poder, e aquele a quem foi prometida alguma coisa, obtém a segurança de que a promessa foi cumprida. Estas são de fato, as relações mais elementares entre o direito e a economia”.
O desenrolar econômico está não só ligado, mas condicionado às condições políticas e jurídicas. Falo aqui de um desenrolar evolutivo, de modo que, uma vez apoiado sobre as bases firmes do Estado liberal e da estrutura jurídica, o capitalismo pôde crescer na dimensão da força, imposição e alcance. Desenvolveu-se, consolidou-se e fortaleceu-se como sistema econômico, podendo impor-se sobre a esfera social, alcançando as diversas relações e permeando o funcionamento da sociedade, que passa a ser guardiã dos interesses e valores do sistema, processo que se dá, principalmente, por meio do Direito, como produto social. Ele garante a multiplicidade, expansão e impessoalidade das relações, à medida que as formaliza, regulariza e as traduz no papel.
A chegada à modernidade representa novos contornos para a realidade capitalista, ligados à sua expansão. A burguesia lutou pela conversão do Estado em pessoa jurídica para dissociar os interesses do governante às práticas do Estado, já que este passa a ter que se enquadrar ao arcabouço normativo, resguardando os interesses privados. E o Direito, adequadamente estruturado, garante a segurança das relações econômicas tecidas de acordo com tais interesses privados, agora num contexto de maior liberdade.
Assim, as esferas política, econômica e jurídica se conectam. E o Direito assume papel crucial, basicamente reduzido numa palavra: perduração. Perduração do compromisso nas relações, da estabilidade entre esses três âmbitos e do sistema econômico que invade a realidade nas suas diversas nuances. Lembrando, no entanto, que não se trata aqui de uma exposição marxista. A cultura tem papel decisivo nesse processo, porque também dá seus contornos à construção jurídica. Sendo o modo de pensar de cada sociedade, o fator cultural interfere nesse modo de fazer perdurar, continuar a existir essa dinâmica, ainda que protagonizada pelo advento do dinheiro nas relações sociais.

Uma nova forma de celebrar acordos interpessoais

Tema: Contrato = liberdade (?)

O contrato é um elemento jurídico recente em relação à história da humanidade e é o responsável por concretizar as relações interpessoais da sociedade moderna, surgiu, inicialmente, por conta da ampliação do mercado e pela necessidade de acordos jurídicos garantidos como válidos pelo poder coativo.

No período da Antiguidade, por conta da não existência dos contratos, as relações interpessoais, como por exemplo, o empréstimo de dinheiro era feito somente entre as pessoas próximas, como irmãos e pessoas do mesmo clã. O surgimento do contrato, então, pode ser considerado como um elemento que traz maior liberdade às pessoas.

Apesar do fato de uma pessoa ao firmar um contrato permanecer “presa” a esse e suas cláusulas até o fim da sua validade, a existência do contrato possibilitou uma relação mais abrangente entre pessoas mais distantes no círculo social ou até desconhecidas, permitindo que os possíveis benefícios da celebração de um contrato sejam mais amplos e eficientes.

Mesmo que a confiança não seja a principal base dos atuais contratos, eles possuem a função de garantir a estabilidade para aqueles que o celebraram e o equilíbrio para que o que foi acordado permaneça durante o período de tempo estimado. Eles permitem às pessoas que os firmam sintam-se seguras e protegidas por saberem que existe o Direito que atua como elemento garantidor dele.


Entretanto, o surgimento dos contratos não trouxe apenas benefícios, porque assim como a maioria das coisas na sociedade capitalista que sempre favorece o lado mais forte, rico e poderoso da sociedade, com os contratos não acontece diferente, já que os termos do contrato pendem sempre a favor do lado de maior poder econômico, tornando meio relativo o emprego da palavra liberdade com relação a esses.

Padronização do direito


As relações entre economia e direito sempre caracterizaram as mediações entre os homens, visando a estabilidade e o equilíbrio nas respectivas sociedades.

Assim, por exemplo, o direito na Grécia Antiga permitia que somente os cidadãos da pólis grega seriam capazes de adquirir terras, ou seja, era um direito que limitava e restringia, sendo utilizado para o benefício das classes dominantes. Na Era Medieval, o direito garantia poder ao senhores feudais e à Igreja, que utilizavam-se de noções de poderes espirituais e elitistas para adquirir seus objetivos sociais e econômicos.

Nota-se, com isso, que o direito foi utilizado, em grande parte, como instrumento de dominação das minorias dominantes em detrimento das classes menos favorecidas. O caráter político, portanto, impedia as formas econômicas pré-capitalistas de engendrar uma padronização jurídica, de modo que podia ser manejada de acordo com os interesses das elites.

Com a Era Moderna, mais precisamente com a ascensão burguesa como poder econômico – ou seja, do capitalismo – a disposição de um direito mais padronizado e engessado foi crucial para o a eficácia dos interesses burgueses. Com isso, todo um arcabouço técnico-jurídico foi inventado para colocar-se a serviço da sociedade, garantindo não só uma segurança para as classes dominantes, mas também para a sociedade como um todo.

A criação de contratos, por exemplo, garante segurança não só para o burguês, mas também para aquele que adquire o produto da venda, de modo que os negócios comerciais não ficaram mais restritos à consanguinidade, confraternização ou outras qualidades do status social.

A força do capitalismo burguês, já exaltada por Max Weber, foi um interesse alcançado em razão da técnica coercitiva de um direito que, além de garantir a segurança das elites, foi apropriado por grande parcela da sociedade, inclusive aquelas menos favorecidas, de modo que possibilitou não só uma liberdade e autonomia da classe burguesa, mas também das outras classes existentes na época. Por mais que esses direitos tenham sofrido grandes deformações durante o seu desenvolver, sua existência foi fundamental para as reivindicações sociais posteriores, muitas vezes, conquistadas. O direito passa a representar um caráter mais universal.

Embora o capitalismo seja, indiscutivelmente, responsável por uma desigualdade social exorbitante, as suas consequências técnico-jurídicas, iniciadas em primórdios da Era Moderna, foram um grande instrumento desenvolvido para a garantia e segurança de direitos sem precedentes para todas as sociedades posteriores ao seu advento.

Economia ou Cultura no Direito

Max Weber foi talvez um dos maiores especialistas no campo sociológico das relações interdependentes entre Direito e Economia, além da atuação da Política nesse meio. Sua análise sobre fenômenos pertencentes a essa matéria se mantém atual e importante. Examinando-se, assim, o histórico econômico, pode-se dizer que a Economia nasceu junto com as primeiras civilizações humanas, graças às trocas comerciais entre os diversos povos existentes. O Direito também surge dessa época, uma vez que era praticamente impossível a existência de uma sociedade sem normas regulando-a.

Todavia, o Direito esteve a serviço do comércio por um longo tempo. Sua função econômica principal era de garantir a perpetuação da posse sobre algo e o cumprimento de alguma promessa. Com o passar do tempo, havendo uma dinamização ascendente no volume e intensidade das trocas econômicas, o Direito foi se aperfeiçoando juntamente com a Economia. Um exemplo desse fato foi o surgimento dos contratos que criavam algum direito entre as partes. A Política, entretanto, nesse meio-termo não teve uma posição favorável inicialmente frente àquele desenvolvimento mútuo. Uma vez que a grande instabilidade política, por exemplo, da Idade Média foi um obstáculo significativo ao comércio.

Uma ideia de bastante relevância de Weber sobre esse quadro foi de sua discordância ao marxismo quanto ao que determinava o ordenamento jurídico. Marx dizia que era a Economia que influenciava grandemente nessa decisão. Porém, Weber afirmou que a Economia apenas tinha atuação na possibilidade de emergência do ordenamento jurídico, sendo assim, a cultura que tinha peso decisivo. Pode-se ver que esse pensamento é digno de verdade ao analisar-se o histórico jurídico-econômico do Japão, desconhecido por muitos do Ocidente.

O direito japonês, antes de sua ocidentalização, era visto e aplicado como instrumento de força das autoridades, pois não havia a noção da lei ou do direito como instrumento de proteção dos direitos dos cidadãos e de controle do poder dos privilegiados. Após a Segunda Guerra Mundial, com seu grande desenvolvimento econômico, o Japão se transformou numa das maiores economias mundiais e com uma sociedade próspera. Porém, seu ordenamento jurídico atual, mesmo com grande influência da família do Common Law norte-americano e da família romano-germânica (principalmente da França e Alemanha), não pode ser classificado sumariamente como somente alguma de ambas as famílias jurídicas. Assim, não foi a Economia que pesou no ordenamento jurídico japonês, mas sim sua cultura única graças ao seu isolamento histórico, que produziu seu próprio direito costumeiro antes das influências ocidentais.

Atualmente, conclui-se, que Direito e Economia tem seus campos mais bem definidos. Sendo assim, o Direito tem seu próprio meio de atuação, podendo até intervir na Economia com sua normatividade, por exemplo, do Código Comercial Brasileiro. É possível notar também o fenômeno de racionalização das trocas econômicas atuais, nas quais a confraternização é quase inexistente. São realizadas entre estranhos e somente as funções puramente econômicas são levadas em conta geralmente. Seria isso a contra-argumentação de Marx frente a Weber relativamente a Economia como peso decisivo na normatividade? Já que a Economia parace cada vez mais se enraizar positivamente sobre o modo de agir dos indivíduos.