domingo, 21 de agosto de 2011

Lutar por mim ou pelo social?



Fotos estrangeiras tão emblemáticas como as ao lado apenas extirpam um tipo de fenômeno raro no Brasil: o sentimento de bem público. O que muitas vezes acontece na França ou mesmo na vizinha Argentina poucas vezes toma forma no Brasil – a não ser por minorias momentâneas.

Não há como negar que o individualismo é a bandeira do século. O liberalismo econômico trouxe consigo não só a possibilidade de uma vida pessoal promissora, mas também o medo e a insegurança, fazendo com que as pessoas se voltem exclusivamente para si, num abismo egocêntrico. Assim não é tão difícil ver levantes de grupos distintos defendendo ideais que privilegiam apenas minorias, já que é impossível num país de regionalidades como o nosso se falar de união de forças por um fim público.

Nem é preciso ir longe. Em Franca, há algum tempo, o prefeito decretou que todas as barraquinhas de lanches veiculadas em espaços públicos – ruas, calçadas, etc. – fossem proibidas de continuar nesses locais. (ver reportagem completa). Imediatamente nunca se viu tantas pessoas na câmara dos vereadores de Franca, repetidas vezes, em sua totalidade vendedores de lanches, clamando pela não aprovação do decreto. Pergunta: quantas vezes essas pessoas já haviam ido às seções semanais anteriormente para ao menos acompanhar o que seus eleitos vereadores discutiam sobre as escolas, os hospitais o transporte da cidade? Arrisco-me a dizer que sequer se lembram em quem votaram. É um erro, admito, de todos nós. Mas essa situação só deixa claro o quanto as paixões privadas estão presentes em nosso dia – a – dia. Ou quando somos bombardeados cotidianamente por notícias de corrupção, suficientes para nos contrariar, mas incapazes de nos fazer mover do sofá. Porém, se roubam meu tênis, minha casa, aí sim, defendemos de pronto, a pena de morte. Paixões públicas.

Durkheim, na leitura da semana, discorre sobre essas paixões como resultado de uma consciência coletiva ainda marcada por pontos arcaicos. Ou sobre a racionalização, presente em sociedades mais esclarecidas, que as possibilitam um juízo mais próximo da utilidade. O que falar do Brasil? Um país tão regionalizado a ponto de ser difícil encontrar um consenso econômico, mas que, ao mesmo tempo, esta tão longe do racionalismo, pois encontra dificuldades com questões do tipo a união homoafetiva.

Assim , o que se cria no Brasil, nas pessoas, uma aceitação das condições políticas e por parte dos eleitos, um descaso pela população, em partes por conta de nossas más escolhas eleitorais; Alimentando paixões, cada vez mais, individuais e muito menos as públicas.

Capitalismo: choque cultural

O capitalismo é um sistema econômico que para se sustentar deve incitar o consumo. Para que o “dinheiro continue a rodar” praticamente tudo é válido. Desde usar o dinheiro de contribuintes para salvar empresas gigantes privadas em momentos de desestabilização da economia mundial, ou mesmo deixar de pagar trabalhadores, que são os mais fracos financeiramente dessa corrente, portanto, nesse sistema, são os mais fracos politicamente quando comparados individualmente com pessoas mais abastadas.

Por causa principalmente desses fatores pode-se dizer que o capitalismo não respeita as culturas e costumes e nem as pessoas que o constitui, as pessoas e os Estados que não o aceite e o receba de “portas abertas”, ou que não seja atrelado à ele. Nos lugares que esse sistema não tenha se fixado de forma bastante sólida ainda, o capitalismo chega com grandes propagandas, experts em marketing, tudo para mostrar e aparentar que tais produtos são de extrema importância, ele pretende mostrar que algumas necessidades materiais são reais, que são de fato necessárias, mas elas não são. Esse seria o primeiro passo do capitalismo; seria mudar a percepção das pessoas sobre o que deveria ser tido como básico e necessário. A partir do momento que essa ideia já foi “vendida”, o capitalismo passa a querer vincular a satisfação ao comprar algo com uma elevada felicidade, sensação de plenitude, para então estimular de forma mais clara e puramente o consumo exagerado, independente do produto e da finalidade.

Dessa forma percebemos que o desenvolvimento do capitalismo no mundo, fazendo suas ligações diretas com quase todos os Estados, se globalizando para adquirir novos mercados e novas mercadorias esbarram diretamente com a tradição dos lugares e na percepção das necessidades reais do ser humano. Nas regiões onde o capitalismo não é aceito, o sistema cria empecilhos para que esses lugares sejam marginalizados. E são nessas ocasiões que conseguimos ver ainda mais claro o embate cultural, porque conseguimos analisar dessas situações que de fato nem tudo que nos é ofertado pelo capitalismo é necessário. Pessoas ao redor do mundo conseguem viver sem um “Ipod”, ou sem uma “Coca-Cola” e são felizes.

Hoje é comum pessoas dizerem que seria impossível ficar 24h sem olhar algum tipo de rede social, mas isso não é uma necessidade real, isso é apenas uma ilusão. A cultura de ligarmos pra alguém e marcar de sair apenas para conversar, o ato de “jogar papo fora” passou agora a ser chamado de “comentário”, e as pessoas se prendem à isso. Não conseguem se desvencilhar desses novos costumes.

Apesar dessas ideias comuns ao capitalismo, hoje surge um novo tipo de pensamento que cresce bastante que seria exatamente o inverso ao consumismo desvairado, que é a preocupação pela sustentabilidade e a nova percepção de que a vida com o contato humano, as relações humanas, sociais, são mais importantes e mais gratificantes em vários sentidos do que a vida virtual, ou de uma vida escondida por futilidades. Espero que ao longo dos anos e da nossa necessidade, essa sim real: a de que precisamos mudar nossos conceitos, pois o planeta não aguentará por muito mais tempo nesse ritmo consumista e egoísta divulgado por muitos “materialistas”, consumistas de carteirinha e capitalistas extremistas.

EMBATE DE IDEIAS

Acredito que o embate de ideias, a discussão em si é um meio saudável para que as pessoas consigam expor seu ponto de vista de forma mais clara, e sem a necessidade de tentar se sobressair pela força bruta. A discussão gerada em cima de algum tema polêmico pode gerar conflitos e violência entre os integrantes do debate, mas com essa “resposta” não conseguimos alcançar nenhum objetivo, não conseguimos alcançar nada de positivo para a causa de ambos os lados.

É somente com o debate, e o embate, e com as ideias sendo confrontadas que se consegue alcançar um menor grau de intolerância ou até total aceitação de grupos marginalizados. Em alguns casos esses grupos reivindicam por direitos que na visão deles são direitos fundamentais que não estão sendo respeitados. Um exemplo bem claro desse tipo de discussão que envolve a intolerância de grupos é o caso do embate entre, principalmente, grupos ligados à religião e o grupo dos homossexuais.

Acredito que nessa discussão o foco dela não é a questão de aceitação ou não dos homossexuais, já que os religiosos acreditam em dogmas, que são preceitos imutáveis, e afinal cada um acredita no que quiser. Nesse ponto o problema está como se exterioriza essa opinião.

A discussão teria como melhor foco, nesse caso, na tentativa de diminuir a intolerância. Seria chegar a conclusão através de saudáveis discussões que “ceder” direitos aos homossexuais não tiraria em nenhum momento direitos dos heterossexuais, e principalmente dos religiosos extremistas. A vida deles dentro de seus templos, dentro de suas cabeças fechadas continuariam as mesmas, sem alteração ou alguma forma de perjúrio à eles. Dessa forma poderia ocorrer a liberalidade de certos atos que são tão comuns para heterossexuais e que poderiam ser cedidos aos homossexuais, como o casamento. Seria uma atitude tão simples que não mudaria a vida de ninguém a não ser a dos próprios homossexuais, que provavelmente se sentiriam mais felizes e se sentiriam menos como cidadãos de segunda classe.

A intolerância nesse caso, e em outros casos, acredito eu que não passa de bobagem, preconceito e enraizamento à ideia de que simplesmente “não era assim”, algo totalmente desnecessário e pequeno, pois pessoas com esse tipo de pensamento deixam de aproveitar oportunidades únicas, deixam de conhecer pessoas maravilhosas, simplesmente porque tais pessoas são “indignas”, ou “não são como a maioria”. Acho muito interessante as pessoas ainda hoje no século XXI ficarem com vergonha de falar sobre sexo, algo que COM CERTEZA sempre aconteceu, ou simplesmente possuem receio de dizer a palavra sexo. Existe certa intolerância hoje, exatamente no sentido inverso que Durkheim imaginava que é a intolerância contra o corpo, contra a ideia de sexualidade, de forma geral a intolerância contra coisas que a Igreja, que as religiões ainda hoje são muito conservadoras.

Além desse tipo de intolerância temos outras intolerâncias que possuem reflexos diretos sobre o direito, como o já citado casamento homossexual, mas há outros casos, por exemplo, como antigamente era com o racismo, e que hoje foi possível se “liberalizar” a ideia de ser negro e não ser também, como os homossexuais hoje, cidadãos de segunda classe, por causa principalmente da criminalização do racismo que forçou ainda mais a mudança de hábito das pessoas.

Seguindo uma ordem bem simples de ato-consequência pode-se dizer que quando há intolerância se deve usar do embate intelectual para se chegar à uma melhor condição para os grupos minoritários e dessa forma lutar pela liberalização do ato que está sendo reprimido, sem nenhum motivo realmente plausível pelos grupos majoritários.

A oscilação da liberdade e da intolerância

Tema: Liberalidade versus intolerância e a perspectiva da anomia

Historicamente, pode-se dizer que o mundo vive entre oscilações e extremos. Refere-se aqui à enorme capacidade de os seres humanos viverem em eterna mudança. Alguns exemplos muito claros são: atitudes políticas que, de repente, são completamente modificadas, como a substituição de uma democracia por uma ditadura; medidas econômicas liberais trocadas por outras bastante socializantes; posturas comportamentais substituídas por sua contracultura etc. Dessa forma, o que se percebe é a contínua alternância de ideologias, modos de vida, enfim, atos humanos.

Não seria diferente em relação às leis. A sociedade mundial conviveu com regimes autoritários fulcrados nas expectativas de controle através do Estado. Quando tal situação ia muito além ou as próprias pessoas (outras gerações) cansavam-se da grande intervenção, manifestações contundentes pelas ruas almejavam a queda dessas práticas, implantando novas formas de pensar e agir. No entanto, a realidade estabelecida logo seria suprimida pelas doutrinas anteriormente derrubadas e então se poderia enxergar uma certa “repetição da história”.

O sociólogo Émile Durkheim analisa em sua obra “Da divisão do trabalho social” a capacidade de os indivíduos se unirem em um corpo denominado “solidariedade mecânica”, no qual o pensamento coletivo fica evidenciado em detrimento da subjetividade. Obviamente, isso se compararia mais às civilizações primitivas, mas serve para entender a seguinte abordagem: até que ponto os seres humanos agem irracionalmente no que concerne à organização social? Como se dá essa postura? Ela ainda é verificada?

A princípio, a necessidade de ordem cria todo um sistema jurídico, coordenado pelo que se chama “consciência coletiva”, cujo intuito é preservar aquele agrupamento. Talvez essa automaticidade seja até mesmo instintiva, mas é preciso precaver-se de suas consequências. É nesse momento que a irracionalidade pode perder sua influência ao reprimir demais e garantir um descontentamento generalizado. Aliás, com o desenrolar histórico ficou muito claro que não se deve dar atenção extrema ao poder coletivo, pois ele certamente destruirá qualquer resquício de individualidade. Em contrapartida, pode-se dizer que em tempos de crise as pessoas reúnem-se novamente e formulam novas leis, mais incisivas, como forma de preservação. Vê-se, portanto, novas quebras e construções de valores repetidos.

Atualmente, após inúmeros questionamentos e reflexões, a consciência coletiva meramente mecânica conquistou um patamar de influência menor em civilizações mais desenvolvidas do ponto de vista do conhecimento e da razão, mas ainda marca sua presença e talvez sua total extinção não seja possível, pois a perspectiva de anomia (total ausência de leis) traz consigo a mobilização contra a devastação completa.

Portanto, verifica-se que há uma certa reprodução de conceitos em todos os campos da sociedade, seja para reprimir ou para liberar. E isso acontece, geralmente, quando a crise dos excessos se configura, algo infindável e permanente desde as primeiras relações entre seres humanos.

Paixões coletivas e individuais

De acordo com o texto, "Solidariedade Mecânica ou por similitudes", escrito por Émile Durkheim,existem duas formas de consciência:a coletiva e a individual. Cada uma delas corresponde a um tipo de paixões. Sendo assim, a consciência coletiva corresponde às paixões coletivas, e as paixões individuais pertencem à consciência individual. As paixões coletivas são opiniões ou sentimento em relação aos quais a maioria dos indivíduos de uma sociedade tem forte convicção. Já as paixões individuais são pensamentos e sentimentos que individualmente pertencem às pessoas.
O Direito repressivo atua em nome da coesão social, a qual é possibilitada por paixões coletivas. Devido a estas, os indivíduos têm aversão a certas condutas e mantém-se unidos devido a dois fatores: afinidade ideológica e ao amor que tem pelo grupo que constituem. As paixões coletivas se encontram no bojo do Direito repressivo, que prevê sanções para os casos que sejam contraditórios a essas paixões.Dessa forma, a manifestação de paixões individuais só seria aceitável na medida em que não atentasse contra as paixões coletivas.
Com base na análise feita, é valido defender que as ideias de Durkheim acerca das paixões coletivas e individuais são compatíveis a regimes políticos democráticos. Nestes, as paixões coletivas -expressas por meio do voto e dos partidos políticos- prevaleceriam, norteando a vida em sociedade e evitando a imposição de possíveis paixões individuais que pudessem atentar contra o interresse coletivo e contra o bem estar social, o qual é a principal função do Estado.

Universalismo e Particularismo

Durkheim, no capítulo “Solidariedade Mecânica ou por Similitudes” de sua obra “A Divisão Social do Trabalho”, coloca em voga a discussão acerca do crime e da organização da sociedade. Segundo ele, a sociedade unida e coesa acabaria por universalizar certos valores por meio de sua consciência coletiva. Dessa forma, não apenas as ações que prejudicam a sociedade, mas também aquelas que fossem contra os princípios fixados seriam passíveis de repreensão social ou penal.

A consciência coletiva hoje é representada pela identidade nacional. A nação tem a capacidade de aglutinar os indivíduos em uma mesma consciência que os envolve e os transcende. É uma forma de integrar diferentes grupos sociais dentro de uma mesma totalidade e de representá-los simbolicamente. Há, pois, uma unidade moral, intelectual e mental.

Esse conceito associado à civilização com uma cultura fixada, descontextualizando os indivíduos de suas situações próprias e históricas entra em conflito com a noção de individualismo crescente que temos hoje.

O particularismo, aprimorado nas sociedades ocidentais, prega ação livre de cada pessoa, trilhando seu caminho de acordo com suas próprias crenças, mesmo que destoantes daquelas majoritariamente aceitas. Porém, o choque se dá ao colocar essas duas visões lado a lado no cotidiano. Ainda há intolerância em relação a certas atitudes por não seguirem os ‘moldes’ sociais, o que acaba em violências desnecessárias.

O Direito tenta condensar em suas normas as liberdades individuais de forma a não limitá-las. Porém, mesmo com a legalidade prevista, a sociedade ainda reprime atitudes que na verdade não são capazes de prejudicar o corpo social como um todo. É, pois, inadmissível que reações violentas ainda ocorram contra aqueles que estão em seu pleno direito.


A racionalidade e a passionalidade.






Para Durkheim, a solidariedade é algo que conecta os homens e dessa forma permite que o corpo social esteja sempre em bom funcionamento.
Nas sociedades primitivas, tal solidariedade é determinada mecânica, pois há pouca diferenciação entre as funções dos indivíduos, cada qual age como uma peça de uma máquina, possibilitando, assim, o seu funcionamento. Essas sociedades são movidas por uma consciência coletiva que não necessita de um conhecimento especializado, tal saber se forja do cotidiano. Enquanto em sociedades modernas a solidariedade é determinada orgânica, pois se organiza dentro de princípios de uma organicidade racional, cada individuo participa da sociedade como um órgão do corpo social, e o funcionamento deste relaciona-se com uma racionalidade produtiva.
O direito por sua vez, expressa o tipo de sociedade existente, e portanto depende de mudanças sociais para também se modificar, pois as acompanha. Um ato criminoso é aquele que ofende a consciência coletiva, em sociedades primitivas, nas quais o direito serve para punir; ou aquele que prejudica a racionalidade produtiva da sociedade, nas sociedades modernas, nas quais o direito é restituitivo. Sendo assim, a norma penaliza atos que ameaçam a estabilidade do grupo social.
Durkheim nos considera uma sociedade moderna, porém o funcionamento de nossa sociedade não procede do modo com que ele propôs. Em sociedades modernas, o ato só seria punido se ferisse a solidariedade orgânica, se interferisse na racionalidade produtiva, por exemplo: casamento homossexual ou aborto não representam um incômodo a solidariedade ou a produtividade, aliás, seriam até uma forma de minimizar gastos públicos referentes à saúde e assistência familiar, se legalizados, o importante seria fazer com que a sociedade priorizasse sua produtividade.
Porém questões como essas geram atritos na sociedade, pois ainda existem resquícios de tradições e a consciência coletiva ainda não foi substituída, isto é, ainda possuímos características das sociedades primitivas enraizadas em nossa sociedade, e nos relacionamos com o direito de uma forma passional, a gravidade do crime depende da intensidade com que ele fere nossos sentimentos. Devido a isso, a mudança do direito é penosa e existe uma contradição entre a racionalidade e passionalidade que é muito complexa e se faz presente em nossa sociedade, resultando em conflitos de opiniões entre tolerantes e intolerantes, e a principal razão desses conflitos é o medo que o ser humano possui da anomia.
Questões polêmicas e delicadas como os direitos iguais entre brancos e negros, uso de pílulas anticoncepcionais e até mesmo o uso da minissaia causaram muitos atritos por se relacionarem de modo oposto com a consciência coletiva existente em suas respectivas épocas, e a liberalização de tais atos traz consigo o medo da anomia, que é a preocupação fundamental das sociedades.
Da mesma forma acontece com assuntos polêmicos atuais que se fazem tão complexos por se relacionarem com as paixões e com a consciência coletiva, mas quando forem solucionados de forma racional, causarão o medo da anomia devido a liberalidade sim, contudo, posteriormente serão compreendidos e trarão benefícios a sociedade. Mas como percebemos, tais mudanças serão lentas, pois ainda possuímos características de uma sociedade primitiva.


Tema: liberalidade x intolerância, e a perspectiva da anomia.

NOVA MENTALIDADE. NOVOS COSTUMES.


Na sociedade moderna o embate entre intolerância e liberalidade está sempre presente em nossos cotidianos, pois a mudança nos hábitos e nas mentalidades vem causando um constante choque entre visões distintas do mesmo fenômeno. Cabe a nós analisar esse verdadeiro embate ideológico e seus desdobramentos, além de situar a posição do Direito nessa situação.

A sociedade, como propunha Émile Durkheim, possui uma verdadeira moral coletiva, que constitui um conjunto de preceitos e dogmas tidos como verdadeiros pela maior parte de uma determinada população. A mentalidade coletiva, portanto, tende a ser mais conversadora, na medida em que as suas crenças estão profundamente arraigadas na mentalidade popular, soma-se a isso o fato de que essas crenças possuem respaldo nas concepções morais e religiosas.

Por outro lado cresce na sociedade os movimentos liberalizantes, que defendem o reconhecimento de atos e condutas presentes nas sociedades não admitidos pela mentalidade coletiva, com tendência mais intolerante devido aos fatos supracitados. Esses movimentos, portanto, lutam pela legitimação daquilo que sempre esteve presente na sociedade, mas não é tolerado e aceito por ela. Dessa maneira tais movimentos tentam modificar uma mentalidade que foi adquirida ao longo de sucessivas gerações não constituindo, assim, uma tarefa fácil, porém que, muitas vezes, é necessária.

O embate entre o conservador e o liberal, como fato natural e corriqueiro na história, deve ocorrer da maneira mais pacifica possível e com o aproveitamento de tudo aquilo que for útil e contribua para o avanço da sociedade, uma vez que ela, assim como a cultura, não é estática. Em primeiro lugar deve-se incorporar aos hábitos e costumes aceitos pela sociedade apenas aqueles que não forem nocivos para o corpo social de maneira que nunca tragam consequências para a ordem coletiva, mas apenas para a ordem particular. Uma segunda consideração é que a sociedade deve julgar, com pertinência lógica, aquilo que é uma simples tradição ou um antigo dogma e aquilo que realmente vai trazer benefícios para os seus membros. E a última, e não menos importante colocação, é a necessidade da correspondência dos novos costumes com os princípios de Direitos Humanos, da vida e da dignidade da pessoa humana, mais importantes do que qualquer cultura ou tradição.

O Direito, que também não é estático, da mesma forma deve garantir a todos os cidadãos o exercício da sua liberdade, porém sem nunca deixar que essa liberdade interfira na liberdade e nas garantias dos indivíduos alheios. As normas jurídicas, assim, nem sempre possuem a medida certa de justiça uma vez vão de acordo com a vontade popular e com a ordem política predominante.

Hans Kelsen, conceituado jurista austríaco, defende a pureza do Direito e, dessa forma, as normas deveriam ser, para o jurista, o seu objeto de estudo. Tal postulado deve ser considerado no âmbito operacional do Direito, uma vez que não pode o seu operador, em hipótese alguma, criar corpo legislativo individual, desrespeitando os princípios legislativos democráticos. Todavia deve-se, ao interpretar as leis, olhar o Direito em uma perspectiva tridimensional, como já propunha Miguel Reale, ao considerar o fato, o valor e a norma.

O jurista, assim, não pode desconsiderar os conflitos sociais e os valores morais da sociedade, porém deve colocar a norma em posição de destaque, interpretando a lei, indo além da lei, mas nunca contra a lei. Logo os profissionais ligados ao Direito devem sempre fazer cumprir o corpo normativo, uma vez que cabe somente ao legislador a incorporação de novos preceitos legais ao ordenamento jurídico.

Portanto, a sociedade deve sempre buscar o seu aprimoramento incorporando novos costumes e tradições, quando não prejudiciais ao seu funcionamento; e negando outros, quando esses vêm fragilizar a ordem social. Da mesma maneira deve renegar antigos hábitos, quando esses vão contra uma determinada pertinência lógica e aos princípios de Direitos Humanos; e preservá-los quando esses vão de acordo com a manutenção do perfeito funcionamento da sociedade. O legislador, assim, deve fazer com que o Direito ande junto com os anseios da sociedade ao incorporar ou negar no seu corpo normativo novos costumes e tradições.

Uma venda passional

Durkheim, ao analisar a sociedade e a solidariedade necessária para mantê-la coesa, torna clara a imprescindibilidade da sociologia para a manutenção de um equilíbrio, a fim de que se evite a anomia.

Em uma concepção que hoje sabemos ser errônea, Durkheim caracteriza a sociedade primitiva como aquela em que se predominam as paixões e a consciência coletiva (solidariedade mecânica) e a moderna como a que possui uma solidariedade orgânica, pautada em normas e leis, cuja predominância seria a razão. Porém, ele não imaginava que no século da descoberta do genoma humano, ainda haveria resquícios da sociedade primitiva, principalmente no âmbito jurídico.

O direito deve julgar os casos levando em consideração o mal que causam à sociedade, as provas existentes e as vantagens de determinado ato, eliminando pré-conceitos e crenças sociais. Em muitos casos, juízes são “coagidos” a determinadas sentenças devido à espetacularização do Direito e à pressão social.

Eliminar as paixões e as tendências que já estão fortemente enraizadas nessa sociedade é algo que talvez ainda demande séculos, entretanto, é imprescindível que as reações passionais existentes não sejam de intolerância. Os casos de agressões aos homossexuais, por exemplo, se repetem por todo o país e suas frágeis punições mostram a difícil permeabilidade às mudanças, já que o direito ainda é fortemente ligado às crenças sociais, principalmente, as religiosas. Necessita-se fazer com que a população enxergue os desenvolvimentos sociais de forma clara, retirando do olhar de todos essa “venda” arcaica que existe e os impede de enxergar os benefícios que determinadas mudanças podem ter para a sociedade.

Clamor da multidão

No mundo em que vivemos, onde a vida torna-se corrida e voltada para um "futuro profissional promissor", aparentemente viveríamos no "século mecânico", onde todas as ações humanas seriam previsíveis e comuns: em busca pelo sucesso profissional. No entanto, o que vemos no cotidiano, principalmente com relação às grandes massas, é que a passionalidade ainda move o ser humano. É interessante observar como um forte sentimento de indignação ou palavras fortes empregadas no lugar correto movem montanhas.
As paixões superam a racionalidade, prevalecem sobre a razão; e algo que foi tão criticado na literatura no período realista, que pregava que o sentimentalismo do romantismo era passado, permanece perene até os dias de hoje. Já naquela época, os escritores se preocupavam em colocar em seus livros os males que norteavam a sociedade, a animalização do ser humano, as denúncias das mazelas que afligiam o mundo.
Hoje em dia, vemos o recrudescimento da sociedade, onde os sentimentos que contagiam o ser humano clamam muito mais alto que as injustiças que acometem a sociedade. Como exemplo, posso citar que é muito mais fácil torcedores se enfrentarem em um pós-clássico paulista do que essas mesmas pessoas irem em um protesto por uma causa social. Em termos de riscos à vida, é muito mais danoso ir em um clássico em final de campeonato do que em um protesto.
A função do cientista social, portanto, é descobrir porque a sociedade se comporta desta ou daquela forma; é olhar um determinado grupo de indivíduos com olhos de quem analisa uma placa de Petri e não como ser humano, ocidental, carregado de valores, seja eles quais forem e como lidar com essa sociedade em que a consciência coletiva, em pleno século XXI, faz retrocessos.
Se, por exemplo, fizéssemos uma pesquisa nas ruas, demonstrando o código de Hamurabi, sem dúvida alguma que muitas pessoas achariam melhor substituir todo o nosso Código Penal pelo "olho-por-olho e dente-por-dente".
O ser humano contemporâneo é sim, individualista e egoísta, mas parece-nos que basta uma retórica mais inflamada para fazer com que forme-se um coletivo clamando pelo mesmo fim comum, algo que incomode o indivíduo no seu íntimo mas que precisa de uma válvula de escape para transparecer, é como muita palha seca esperando por uma faísca que a inflame, como se todo esse individualismo necessitasse de um momento de libertação; e quando encontra tal, fazem-se os tumultos, apedrejamentos, linchamentos, etc. Cada um se sente impulsionado a fazer justiça com as próprias mãos, o que é incentivado até mesmo pela mídia, no exemplo dos super-heróis, que são a força paralela ao poder do Estado.



Racionalização x Consciência coletiva

Tema 1- O embate intolerância e liberdade.

Qual é a melhor das muitas definições existentes para o crime? E, se é que ele representa uma atitude que ofende um ou mais indivíduos de uma sociedade, até que ponto podemos considerar essa ofensa como verdadeira, ou digna de punição e quais critérios usados nesta posição?

Estas questões latentes são decorrentes do embate entre a intolerância e a liberdade, o qual se sucede de distintas formas a depender da sociedade. A intolerância se dá justamente porque vivemos em sociedade e cada um de nós deve respeitar o que se chama de “consciência coletiva”, para que possamos viver com segurança, a garantia de que não se fará mal gratuitamente um ao outro, e de que que a ordem na sociedade não será ameaçada; é nesse ponto que o desrespeito à consciência coletiva tem sua razão em ser punido.

A liberdade , no entanto, pode ser ferida neste contexto, pois até que ponto pode-se considerar a consciência coletiva tão moralmente sólida ou legitima e dotada de razão para que determine sanções contra os indivíduos, sendo que estes gozam de direitos naturais por exemplo.

Nas sociedades primitivas, observa-se que ela é muito mais forte e presente e normalmente está ligada a Deuses, e questões metafísicas, e na maioria das vezes não providas de muita racionalidade tal como a conhecemos;Sendo que um individuo que não obedeça ou aga de acordo é muitas vezes severamente punido e com o consentimento da grande maioria do povo. Não precisamos, porém, ir muito longe para identifica-la: os linchamentos, as questões mais polêmicas como o aborto, o homossexualismo estão intrinsecamente ligadas a ela, pois despertam , principalmente nos setores mais conservadores da sociedade, uma reação quase involuntária e passional de se defender a ordem, a moral e assim sendo quando esses setores são maioria em uma sociedade observamos a criminalização de atitudes ligadas a essas questões.

Dessa forma, ainda hoje, observamos empasses, verdadeiros embates na sociedade orientados por pensamentos que aparentemente já foram superados, mas na verdade não foram. Sim, a consciência coletiva a mesma que ao que tudo indica condenou Jesus Cristo a morte e em várias sociedades contemporâneas continua a condenar determinados grupo de indivíduos é a mesma que atrasa a racionalização da sociedade tal como Durkeim previa para nós, suas gerações futuras.

Assim caminha a humanindade...


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Émile Durkheim, no estudado capítulo "Solidariedade Mecânica ou por Similitudes", diz que é pelo Direito, por sua estrutura e seu ordenamento que entendemos a sociedade. A partir disso, começa a fazer uma análise histórica da fase dos conceitos de crime, começando a definir este como "ofensa a sentimentos que, para um mesmo tipo social, se encontram em todas as consciências sãs" e as penas aplicadas não repercutiam necessariamente o impacto social provocado por esse desvio de conduta. Antes, cria-se que a caça poderia ser prejudicada; agora, o impacto pode ser visto de forma mais "metafísica".

O autor diz também que "a natureza do crime por si mesma não explica a pena", ou seja, o problema pode não ser a consequência do ato em si, mas o nível em que feriu a consciência coletiva. Por isso, o Direito render-se-ia ao clamor e, retirando o sentimento de impunidade possível de ser alegada por muitos, formularia sanções mais para calmaria geral, o que na verdade pode levar à verdadeira injustiça. Um exemplo são casos de grande repercussão na mídia: o "inocente até que se prove o contrário", se condenado popularmente, dificilmente escapará de uma sanção para que a sociedade tenha o sentimento de justiça cumprida.

Desse modo, o Direito estaria agindo no sentido da consciência coletiva. Mais ainda: estaria voltando aos moldes das ditas civilizações primitivas. Após tantos movimentos racionalistas, incluindo nessa linha Durkheim ao acreditar na crescente organicidade ao invés da manutenção dessa mecanicidade. Essa consciência coletiva parece ter sido valorizada com o tempo ao invés de perder sua influência. Direito difuso, feito pela população a partir de normas escritas na consciência sem o intermédio do magistrado.

Crenças tão fortemente enraizadas assim acarretam no caráter estacionário, com poucos avanços e novidades principalmente na área penal. Muitas dessas crenças encontram-se ligadas à religião - e Durkheim imaginava que a religião deixaria de influenciar-nos tão fortemente.

Continuando o estudo, porém, percebemos que o Estado, contudo, não pode subsistir somente da consciência coletiva, já que esta "estaria impregnada de elementos sem relação com a utilidade social". Durkheim não esperava que nós, pós-modernos, continuássemos tão suscetíveis às paixões e, talvez principalmente, a penas movidas por reações passionais. Essas reações poderiam ir contra o Direito.

Falamos em ferir a consciência coletiva x impacto dos atos. Para Émile, "em que é que o fato de tocar um objeto tabu, um animal ou um homem impuro ou consagrado, (...) de não celebrar certas festas, etc, pôde alguma vez constituir um perigo social?". Levando para uma discussão recente: em que uma união estável homoafetiva estaria trazendo de caos à sociedade? Defende-se liberdade à vida, liberdade de ir e vir, liberdade de expressão mas não pode haver liberdade à felicidade se não for uma relação aceita tradicionalmente? O homossexualismo não é novidade, existia na Roma antiga. A diferença é o modo a ser tratado e, principalmente, reconhecido. Se descobrimos que alguém tem o que tradicionalistas podem chamar de "desvio" quanto à preferência sexual, isso muda o cárater da pessoa?

Outra questão, por que precisamos também generalizar as associações e relacionar religiosos a "mentes fechadas" e qualquer um que defenda os direitos da minoria homossexual como liberais, a favor do baixo nível e preconceito? E por que religiosos e homossexuais se provocam tanto? Se realmente defendêssemos esssa liberdade de expressão, um deveria respeitar ao outro. Os religiosos têm seus direitos de crença e os homossexuais podem sim comemorar suas conquistas. Não vejo o motivo de haver tanto preconceito e distinção.

Os que não são tão voltados a novidades temem que essa liberalidade levem à anomia. Não seria o contrário, por exemplo, a citada aceitação da união estável homoafetiva permitiria que esses casais tivessem respaldo legal? Mais ainda: a positivação desse direito não força pessoas a alterarem sua opção sexual. Não é uma doença, e amizades com homossexuais não alteram nossas preferências. Pelo contrário, fazem-nos perceber que eles realmente não são diferentes. Não dominarão nem imporão comportamento à atual maioria: como podem propor dia do orgulho hétero ou muito menos defender teorias de que haveria declínio no crescimento populacional? As conquistas homossexuais não atrapalham e nem influenciam em nada na vida dos heteros, que já possuem seus direitos tutelados. Quando será que Durkheim terá orgulho de nós superando esses extremos movidos pelo discussões exaltadas e priorizaremos a racionalização deixando de ceder completamente a essa primitiva consciência coletiva retrógrada discutindo assuntos que, como vimos, causam mais danos a essa crença pública do que geram prejuízos nos atos em si? Considero, pois, digno citar Lulu Santos ao cantar "assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade".
É no seio das sociedade simples ou primitivas que surge a solidariedade social, que para Durkheim seria um grande impulso para o desenvolvimento social devido a sua força unir os homens. Nestas sociedades primitivas, a solidariedade é, costumeiramente, chamada de mecânica e os indivíduos que a compõem não se diferenciam de maneira abrupta, possuem os mesmo valores sociais, partilham da mesma conduta, tem os mesmos interesses materiais, e essa exígua diferença deve-se a uma forte imposição moral existente nessas sociedades, sendo isto que assegura a coesão social.
A partir da consciência coletiva criou-se uma série de ordenamentos jurídicos visando uma forma mais eficaz de garantir e defender os interesses comuns. Porém o descumprimento de uma norma, que não deixa de ser um desrespeito a consciência coletiva, caracteriza o crime. Logo, o crime fere a solidariedade social. E ao entendimento de Durkheim, todo ato é criminoso quando fere a consciência comum .
Desde muito, a propriedade privada é algo que desperta a ira de quem o perde. É um exemplo claro, de paixão privada. O indivíduo, quando presencia um assalto ou quando fica sabendo de algum grande delito não preocupa-se com o outro, não tem a intenção de restituir-lê o bem perdido. A sua grande preocupação é com a segurança de seu bem, seja este de valor emocional ou de valor econômico e fará o que for para que este bem não seja usurpado e caso seja, buscará uma represália aquele que lhe furtou.
As paixões públicas, tal como a paixão por um clube de futebol, de fato, podem causar grandes brigas entre os integrantes das torcidas, estas são motivadas quando os torcedores sentem que seus times foram prejudicados ou quando ocorre insultos entre os torcedores. Porém estes conflitos são pontuais, e muito passageiros, ocorrem eventualmente apenas em determinas ocasiões.
Percebe-se que nas sociedades contemporâneas, ocorreu uma inversão, em relação as sociedades primitivas, da solidariedade. Atualmente, os homens não possuem mais as mesmas crenças, valores, moral, os interesses individuais são bastante distintos além de que a consciência de cada indivíduo é muito mais acentuada. Portanto percebe-se uma inversão de valores, os interesses individuais passaram a acentuar-se cada vez mais em detrimento dos interesses coletivos.





O Direito e a Liberdade

A função do Direito não é mudar o mundo ou torná-lo mais justo. O Direito tem como primeiro objetivo regular a vida em sociedade. Isso ocorre a partir de conceitos existentes e aceitos pelo agrupamento de forma quase que unânime. O jurista não pode impor seus valores a uma sociedade, mas aplicar os valores dominantes, presentes na consciência comum. Se um determinado grupo está convicto que determinada atitude é errada, cabe ao legislador a proibir. Isso é mais do que verdade em um Estado Democrático de Direito, como é o nosso. Basta notar que o Executivo é eleito pelo povo e o Legislativo é o próprio povo. Em sua obra “A Divisão do Trabalho Social”, capítulo “Solidariedade Mecânica ou por similitudes”, Émile Durkheim discute exatamente este ponto, indo mais longe ao afirmar que a pena recebida por determinado crime é decidida a partir do tamanho da ofensa feita àquela sociedade. Não se trata de o quanto a sociedade foi afetada, mas o quanto tal atitude fere os princípios éticos e morais predominantes.

Mas a questão que desejo aqui estudar é: Qual a fronteira entre a intolerância coletiva e a liberdade individual? Isso é de se pensar, tendo em vista que vivemos em um Estado Democrático de Direito. Até onde o Estado pode interferir na vida pessoal, até onde o indivíduo pode se auto-determinar?

Durkheim explica em sua obra que a sociedade institui limites à atividade humana, a fim de criar estabilidade social. Através de normas, estabelece-se um padrão que mantém a coletividade coesa. Da mesma forma que um organismo combate uma célula que não está funcionando da forma como deveria, um agrupamento deve punir um indivíduo que compromete o desenvolvimento de sua sociedade. Esses limites pertencem ao consciente coletivo. Não se trata de limites universais, de acordo com Durkheim, mas de limites criados pela coletividade. Como diziam os nominalistas: “Mala quia prohibita, non prohibita quia mala”.

Mas há de ser lembrado que o Estado Democrático não pode interferir em assuntos pessoais. A intimidade familiar deve ser preservada, a liberdade de expressão, de ir e vir, liberdade de culto, e todos os outros direitos fundamentais estabelecidos no artigo 5º de nossa carta magna. Essa é a diferença entre Direito e moral. A relação entre indivíduos, ou entre indivíduos e o Estado, precisa de regulamentação; mas tudo aquilo que couber apenas ao indivíduo, como seus valores e sua ética pessoal, deve ser preservado para si mesmo. Apenas Estados totalitários, onde a ideologia nacionalista e idólatra é a única aceita, ousam impedir o indivíduo de pensar segundo seus próprios conceitos, formulados ou aceitos de forma voluntária.

O fator complicador desta lógica é a intolerância, tanto por parte da coletividade como de um ou mais indivíduos. As leis gerais são estabelecidas por critérios abstratos, subjetivos. Muitos acreditam que o Direito possa doutrinar a sociedade, obrigando-a a aceitar certas práticas e descartar outras. Isso parece incabível em nosso país, mas é o que acontece de forma natural na República Popular da China, por exemplo, em que só há um partido político, o PCC (Partido Comunista Chinês) e seus cidadãos não podem agir de forma contrária ao desejado pelo governo, nem mesmo na intimidade de seus lares. Livros, filmes, músicas, tudo deve ser muito bem analisado antes que a população tenha acesso. O mesmo pode ocorrer ao contrário, quando a coletividade se volta contrária a liberdade de um ou de outro. É o caso dos linchamentos, em que o indivíduo teria direito ao devido processo legal, a um julgamento imparcial, mas a sociedade se revolta contra esse.

Dessa forma, notamos que não é tão simples manter o equilíbrio entre liberdade individual e consciência coletiva. Ambos podem se impor de forma negativa, prejudicando o desenvolvimento do grupo. Sendo assim, é importante que antes de qualquer lei ou medida administrativa do Estado ser oficializada, necessário é que haja um grande debate a cerca dela. Não basta que um ou outro concorde, mas que todos estejam de acordo com a decisão e se responsabilizem por seus efeitos. Uma sociedade democrática deve priorizar o debate, evitando soluções rápidas e mal pensadas. Ressuscitemos a Ágora de nossos ancestrais políticos, aprendamos com as experiências letais de China, Coréia do Norte, Alemanha nazista e Itália fascista.

Há consciência do que é crime?

Antes de mais nada convém explicar o pensamento de Durkheim e suas influências para posteriormente relacioná-lo ao tema proposto-paixões públicas e privadas.Durkheim acreditava que a solidariedade seria a ponte para o desenvolvimento social, porquanto ela interconecta os homens e pode até evitar a luta de classes, daí é que se desenvolveu o título de sua obra-'' a solidariedade mecânica e o espírito do Direito''- e essa solidariedade mecânica nada mais é do que uma comparação: as sociedades se movem como engrenagens, todas as pessoas têm suas funções que se enquadram no todo.

Nesse contexto cria-se uma consciência coletiva que dita os direitos, deveres e condutas a serem seguidas por toda a população, por exemplo nesse aspecto Durkheim acreditava que o ato é crime quando ofende essa consciência coletiva.Porém muitas vezes a pena dada ao crime não está de acordo com seu impacto social, ou pior, existem fatores que desorganizam a sociedade de forma mais contundente e não incorrem em repressão-como crises econômicas,falências...Dessa maneira é questionável: o que é crime?

No Brasil as torcidas de time de futebol são de fato uma paixão generalizada e pelo seu time fazem de tudo.Quem nunca ouviu no noticiário mortes devido à brigas entre torcidas, afinal ofender seu time para elas pode ser um crime, isso nada mais é do que a consciência coletiva agindo.Porém também pode ser um crime para essa mesma torcida a expulsão de um jogador pelo árbitro num importante jogo futebolístico; são inúmeros os casos de árbitros de futebol que sofrem ameaças como forma de punição à petulância cometida na partida.O que é crime?

Existente há séculos, a família é uma paixão privada por excelência.O instinto de proteção, o amor entre o membros familiares pode distorcer o senso do que é justo, do que é pior para a sociedade, por exemplo, o que seria pior para uma mãe: uma briga generalizada entre torcidas de futebol que acarretasse em vinte mortes ou o assassinato de seu filho?Para a mãe, perder seu filho é muito pior do que centenas de mortes, contudo para a sociedade a briga acarreta danos muito mais drásticos.Além disso essa mãe lutará por vingança ao assassino de seu filho e não aos assassinos de dezenas de mortes, afinal a vingança é a destruição do que nos faz mal e é também um instinto de proteção.O que é justiça?O que é crime?

A consciência das pessoas é que escreve as normas, os direitos, deveres e condutas sociais; a justiça se exerce não pelos profissionais do Direito, mas por toda a sociedade.Para cada grupo social o ato pode ou não ser considerado criminoso, dependendo de suas paixões, seus interesses.Afinal crime é ofender seu time de futebol?Crime é expulsar o jogador do seu time?Crime é matar uma pessoa querida?Ou crime é uma crise econômica?Enfim, parece que as paixões prevalecem sobre a razão ainda hoje e cabe às sociedades julgar em suas consciências as repressões a serem dadas àquilo que julgarem atos criminosos.

‎"Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais" - Bob Marley

Não há melhor título para descrever o assunto discutido por Durkheim no capitulo II do primeiro volume do livro “A Divisão Social do Trabalho”. O capítulo é intitulado como “Solidariedade Mecânica ou por Similitudes”, o que quer dizer que determinada sociedade estrutura-se em mesmas ideias ou concepções de moralidade e ética. Normalmente, isso ocorre em sociedades tidas como primitivas ou “ultrapassadas”. Nelas, aplicam-se normas e punições de acordo com o que convém para o equilíbrio social baseado sempre na nocividade do ato.

Atualmente, essa concepção de “crime” deveria estar superada. No entanto, ela está mais viva do que antes e as penas são postas em prática pelas próprias pessoas que concebem essa ideias de crime. Intolerância, preconceitos, indiferença... São marcas de nossa sociedade contemporânea. Ah, e não podemos nos esquecer da hiprocrisia, da falsidade... Vícios? Talvez. Olhos vendados? Provável. Pessoas mal resolvidas consigo mesmas? Com certeza!

Racismo, xenofobia, homofobia, machismo. Criticam Hitler, mas não são capazes de perceber que fazem o mesmo. Condenam aquilo que pensam ser um crime à Humanidade. Sentem-se ofendidos por conviverem com as diferenças. O Projeto Genoma já provou não existirem raças. Se não existem raças, como uns podem ser superiores a outros? Estudiosos já provaram ser o homossexualismo algo influenciado pela genética e não “sem vergonhice”. Todos os homens já foram mulheres por um tempo, até seu cromossomo Y começar a atuar.

Quantas explicações a mais precisaremos para que toda essa intolerância se dissolva? Todos os dias, homossexuais, negros, mulheres são maltratados e até mesmo mortos por esses que se dizem seres “superiores”. Até que ponto nossa sociedade chegará com essa idéia de “crime”?! São situações desprezíveis e completamente dispensáveis a qualquer ser humano. Se não concorda, não precisa ser hipócrita e fingir que aceita, mas a violência é nojenta. Palavras muitas vezes também geram essa situação deplorável. Comparações como animais ou então definições como sendo “algo do capeta” são ridículas. Religião é algo que nos ampara, conforta, ajuda, não algo que serve para criar mentalidades estúpidas e gerar intolerância. Não critíco as religiões, muito pelo contrário, defendo a minha fervorosamente, mas não vivemos mais na Idade Média ou na época da criação de novas religiões para termos nossa mente controlada por elas.

“Respeito é bom e todo mundo gosta”. Não prego a Lei de Talião, mas impunidade nessas horas de intolerância banal só servem para não me orgulhar do Mundo em que vivo.

Pena de Morte

http://www.youtube.com/watch?v=fEvtvIu-9UI

A Paixão Reacionária

O dicionário Michaelis tem como principais definições de paixão: "1 Sentimento forte, como o amor, o ódio etc. 2 Movimento impetuoso da alma para o bem ou para o mal. 6 Parcialidade, prevenção pró ou contra alguma coisa. 7 Desgosto, mágoa, sofrimento prolongado". É inconcebível uma sociedade em que as paixões estejam ausentes, então diversas profissões apelam exatamente para essas paixões, se tornou uma prática comum na verdade. Políticos há milênios sabem exatamente com usar do carisma, para abalar as paixões dos cidadãos.

Podemos observar que uma das coisas que mais dispara as paixões sociais nos dias atuais está relacionado ao crime. Para Durkheim o crime pode ser entendido como uma ruptura com o direito repressivo, que pode ser tido como o vínculo de solidariedade social. Ele também disserta sobre essa definição de crime: "Chamamos por esse nome todo ato que, num grau qualquer, determina contra seu autor essa reação característica a que chamamos pena(...), a pena consiste numa reação passional. Essa característica é tanto mais aparente quanto menos cultas são as sociedades". O crime se mostra como sendo sempre um objeto das paixões, desde os primórdios das civilizações.

Na criminologia, uma ciência moderna, o crime só deve ser positivado, caso obedeça certas estruturas normativas, que variam de acordo com a escola criminológica. Mas, são estruturas básicas: a incidência massiva na população, a incidência aflitiva, a persistência espaço-temporal e o inequívoco consenso. Ou seja, a ideia de crime como atos universalmente reprovados pelos membros de cada sociedade, não significa que por si só irá ser tipificado no direito penal. Já que esse deve ser visto como "Ultima ratio"

É fácil perceber a força das paixões em relação a pena. Segundo Durkheim, "Porque a paixão, que é a alma da pena, só se detém uma vez esgotada". Então, esse é o motivo que leva grande parte da população das sociedades mais evoluídas serem a favor da pena capital. O trágico é que se a pena capital fosse usada ela atingiria principalmente a população pobre, que nem tem como pagar uma boa defesa em tribunal. Mas, mesmo assim, é essa faixa social uma das mais favoráveis a aplicação dessa pena.

A vingança não deve ser vista como uma crueldade inútil apenas, segundo Durkheim. Pois, ela constitui na realidade um verdadeiro ato de defesa instintivo, então, trata-se de um instinto de conservação movido pelo perigo, que ameaça a sociedade. É claro, que a vingança é uma pena mais comum em povos primitivos. Mas, a pena aplicada atualmente é em parte uma obra de vingança. Se a pena tem mesmo o duplo sentido defendido por Durkheim de expiação e de defesa social. Então, a conclusão do autor está correta: "Portanto, a pena permaneceu, para nós, o que já era para nossos pais: ainda é um ato vingança, já que é uma expiação. O que vingamos, o que o criminoso expia, é o ultraje à moral".

Por fim, podemos perceber a revolta causada pelas paixões, quando ligamos a televisão ou assistimos certos filmes. Nesses a impunidade é vista como a principal falha do direito penal e do próprio Estado. Mas, ao estudarmos esse direito, entendemos que ele é seletivo e não alcança toda a sociedade e, infelizmente, só uma minoria dos crimes é realmente punido, geralmente os mais evidentes, como o homicídio.

"Pós- modernos"

Para nós, o título de "modernos" já não nos sacia mais. Fomos além do que pode ser considerado "moderno", somos homens e mulheres "pós-modernos" e orgulhamo-nos por isso. Temos a tecnologia me nossas mãos, capaz de potencializar nossas capacidades humanas; somos "liberais" ao legalizar a união estável de indivíduos do mesmo sexo, o que antes era objeto de repulsa; colocamos a mulher no mercado de trabalho em condições de igualdade em relação ao homem; desprendemo-nos do preconceito de cor, gênero, condição social e culto. Afinal, somos "pós-modernos".

Mas será que podemos assim nos considerar verdadeiramente? Não é o que dizem as pesquisas realizadas acerca da aprovação da união estável homossexual, que demonstraram com a exatidão numérica 55% de reprovação. E as mulheres? Quantas são aquelas que recebem salários menores em relação aos homens executores da mesma função? Segundo a Seade, fundação vinculada à Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento do Estado de São Paulo, a média de salário das mulheres formalmente empregadas é de R$ 1033,00 enquanto a dos homens em mesma condição é de R$ 1294,00 no estado de São Paulo. É convincente dizer que elas estão em igualdade apenas por termos uma mulher na presidência da república? A chegada ao poder é sim motivo de orgulho, já que rompeu com muitos paradigmas, mas é preciso ver que muitas mulheres para além de Brasília ainda não se libertaram de precárias condições. E as inúmeras agressões contra homossexuais, sejam com lâmpadas fluorescentes ou palavras tão mais cortantes, podem ser esquecidas? Não somos "pós-modernos", apenas nos rotulamos desta maneira.

Durkheim, em sua análise da sociedade, foi capaz de encontrar traços arcaicos ao abordar os aspectos do crime e consequentemente da pena. Para ele, "embora o ato criminoso seja certamente prejudicial à sociedade, nem por isso o grau de nocividade que ele qpresenta é regularmente proporcional à intensidade da repressão que recebe", sendo necessária a tomada do crime como uma agressão à consciência coletiva. Como exemplo, Durkheim se vale do assassinato, "universalmente considerado o maior dos crimes . No entanto, uma crise econômica, uma jogada na Bolsa, até mesmo uma falência podem desorganizar o corpo social de maneira muito mais grave do que um homicídio isolado". E o que Durkheim diria ao presenciar todo o burburinho gerado por um simples vestido rosa em ambiente universitário? Ficaria perplexo ao se deparar com agressões explícitas à pessoas de diferentes orientações sexuais tidas por muitos como "violentadores dos bons costumes" ? Será que se espantaria ao ver apedrejamentos por supostos adultérios em pleno século XXI ? Certamente, Durkheim em suas reflexões mais críticas não poderia jamais prever tais reações tantos anos depois de sua morte.

Como nossos ancestrais, punimos por vingança, acompanhada da expiação. "Já não medimos de uma maneira tão material e grosseira nem a extensão do erro, nem a do castigo; mas pensamos sempre que deve haver uma equação entre esses dois termos". E não satisfeitos com tal punição, agimos primitivamente estendendo-a aos pais, irmãos, amigos do criminoso, como se ele mesmo não conseguisse com sua culpa, dor e sofrimento pagar pelo que cometeu. São os tribunais os responsáveis pele punição? Não, Durkheim afirma que "essa representação é ilusória; em certo sentido, somos nós mesmos que nos vingamos , nós que nos satisfazemos, pois é em nós e apenas em nós que se encontram os sentimentos ofendidos". "Entre a pena de hoje e de outrora não há, portanto um abismo". O que mais surpreende é que não estamos falando de sociedades tidas como "primitivas", mas dos "pós-modernos".

É a partir de tudo isso que somos levados à questionar o título que ostentamos com tanto orgulho e sorriso nos lábios: "pós-modernos". Somo-lo realmente ou a sociedade em sua lenta caminhada ainda tropeça nas pedras do arcaico e tradicional? Deixemos a clareza dos acontecimentos dar a resposta...





O evidente contraste dos conceitos e valores existentes

Tema: Embate: liberdade x intolerância e a perspectiva de anomia

Nas sociedades mecânicas (menos complexas) a ideia de crime é a de algo reprovado pela sociedade. As penas, que se resumem a uma reação passional, são desproporcionais aos crimes cometidos e ao impacto social causado, e servem para reprimir os atos que parecem ser nocivos à sociedade.

A norma é conhecida por todos porque está presente na consciência de cada um. A lei, a pena e a justiça não são exercidos apenas pelos magistrados, mas por toda a sociedade, porque a ideia do que é certo e o que é errado são sentimentos e disposições fortemente enraizados.

A consciência coletiva está impregnada de elementos sem relação à utilidade social, são mais custos do que vantagens, trazendo circunstâncias vividas pela espécie durante toda a história.

De acordo com Durkheim: “Não o reprovamos porque é um crime, mas é um crime porque o reprovamos” o que deixa claro a importância coletiva, afirmando que nos vigamos do que nos faz mal, do que pode ser uma ameaça à sociedade e, neste caso, o espírito de vingança vai além da condenação por ter cometido um crime e desrespeitado a lei, é um extinto de conservação e extinção daquilo que ameaça causar desordem e perigo à sociedade. A pena vai além da penitência, é uma defesa social, uma medida útil para a vida em sociedade e sua essência é a reação da sociedade àquilo que ameaça sua integridade.

Durkheim realiza uma analogia com o sistema emocional onde os sentimentos e as emoções têm mais força e influência do que a razão em si, diferente das sociedades modernas, em que a punição é racional e não uma mera motivação emocional. “Toda gente sabe que existe uma coesão social cuja causa se encontra numa certa conformidade de todas as consciências particulares”, o que deixa perceptível a grande diferença que existe entre os conceitos de liberdade, crime, pena, justiça e intolerância que existe entre as sociedades mecânicas e as sociedades orgânicas (atuais). E que não é possível julgar o ideal de justiça das sociedades mecânicas com os conceitos e valores das sociedades atuais.

Direito restitutivo e sensação de anomia

A solidariedade mecânica é caracterizada pela força que faz as pessoas acreditarem ou contestarem fatos que consideram verdadeiros. Isto é, a partir do momento em que uma situação torna-se verdade para a maioria recebe o nome de consciência coletiva, e assim, gera proporcionalmente uma coesão entre estes indivíduos, que é a solidariedade mecânica.

Esta concordância e exaltação de concepções superficiais tendem a deturpar a realidade, fazendo com que esta seja diminuída de dinâmicas relações sociais a estáticos preconceitos. Então, a intolerância nasce escondida por ideais que visam uma sociedade homogênea, esquecendo-se que esta é formada por pessoas que pela própria natureza são diferentes entre si, tanto exteriormente quando interiormente.

Em contrapartida, surge à busca incessante pela liberalidade, que também traz consigo aspectos negativos. Na medida em que utilizam meios extremos para demonstração de seus objetivos, criam obstáculos para alcançá-los.

A fim de criar um meio de pacificar os conflitos entre a solidariedade mecânica, que dita suas regras, e a liberalidade, que defende o fim destas, existe o Direito. Deste modo, criam-se normas jurídicas que pretendem conciliar harmoniosamente grupos sociais opostos. Porém, tendo o Direito uma função primordialmente restitutiva, deixa espaço para agressões que muitas vezes são moralmente irreparáveis.

Portanto, embora existam regras que tentem restaurar direitos ameaçados ou obstruídos, a sensação da sociedade é de “anomia”, uma vez que a proteção é sentida apenas após a violação do direito.

Qual a distância entre 2011 e 1893?

A evolução do ordenamento jurídico assim como da sua aplicabilidade foi, sem dúvida, significativa. A prática do Direito atual, aquele que conhecemos e estudamos, no entanto, não se desvinculou completamente de certas características consideradas típicas às ditas sociedades primitivas, pautadas por uma menor diferenciação social. Uma vez complexa, era pressuposto que na nossa sociedade estivesse presente a solidariedade orgânica, atuando em todos os aspectos da vida social, sobretudo no universo do Direito Penal e na aplicação de penas aos indivíduos que apresentassem comportamentos criminosos.


Alguns resquícios, e não são poucos, das sociedades arcaicas deixam claro, frequentemente, que no meio social moderno ainda se faz presente a solidariedade mecânica, algo que certamente surpreenderia Durkheim, cujas ideias, elaboradas há mais de um século, ainda podem ser identificadas na complexidade do século XXI e na passionalidade da maior parte, salvo raríssimas exceções, dos indivíduos deste período.


Guiadas pelas paixões, as pessoas analisam certos acontecimentos do mundo de forma muito mais inflamada e desprovida do mínimo de pensamento lógico e racional. Percebe-se que apesar dos avanços, o social não se guia somente pela razão, mas é influenciado pela religião e por emoções, o que torna um sentimento restrito de desaprovação diante de um crime, por exemplo, algo comum à coletividade. Dessa forma, as paixões privadas de cada indivíduo somam-se, constituindo um todo: a consciência coletiva, guiada pelas paixões públicas.

Para exemplificar a atuação das paixões privadas no cotidiano das pessoas, pode-se citar o sentimento de desaprovação diante da homossexualidade e de alguns direitos que os casais homoafetivos têm conquistado em diversos países do mundo, como o casamento e a adoção de crianças. Embora muitos não queiram ser considerados preconceituosos e neguem, muitas vezes, tal reprovação, ela está presente no seu íntimo e é um reflexo, principalmente, de princípios religiosos enraizados na formação dessas pessoas e na sua visão de mundo.

O problema, porém, reside no fato de que as paixões privadas, que por si só já constituem uma importante problemática, quando estão presentes nas ideias de uma coletividade e somadas, concebem as paixões públicas. Um preconceito que uma pessoa possuía torna-se algo repudiado por uma maioria passional permeada pela solidariedade mecânica advinda das semelhanças.

As paixões públicas, por sua vez, podem ser percebidas na reação da sociedade diante de crimes hediondos. Munidas de uma cólera geral e baseadas em preceitos religiosos, as pessoas reivindicam uma reação penal com o intuito de defesa - destruição do mal e conservação em face do perigo - e expiação. Isso explica, por exemplo, a sua aversão aos familiares e amigos do criminoso, os quais se confundem, equivocadamente, no universo do crime e, muitas vezes, têm até de mudar de casa, devido às ameaças e aos constrangimentos que sofrem. Diante disso, Émile Durkheim, em sua obra A Divisão Social do Trabalho, já indicava que a pena é aplicada de acordo com a maneira com que o delito é sentido, o que nem sempre é proporcional ao mal causado, pois não é compatível com seu impacto social.

Neste sentido, é difícil de acreditar que um assunto publicado em 1893 ainda seja tão atual, que em situações sérias que demandam uma análise mais cautelosa as pessoas ainda se deixam guiar pela religiosidade e, consequentemente, pela passionalidade em detrimento da razão. Isso explica o fato de o Direito Penal ser, ainda hoje, estacionário, pouco permeável a mudanças e nos faz pensar que, em alguns aspectos, 2011 não está tão distante de 1893.