domingo, 21 de agosto de 2011

O Direito e a Liberdade

A função do Direito não é mudar o mundo ou torná-lo mais justo. O Direito tem como primeiro objetivo regular a vida em sociedade. Isso ocorre a partir de conceitos existentes e aceitos pelo agrupamento de forma quase que unânime. O jurista não pode impor seus valores a uma sociedade, mas aplicar os valores dominantes, presentes na consciência comum. Se um determinado grupo está convicto que determinada atitude é errada, cabe ao legislador a proibir. Isso é mais do que verdade em um Estado Democrático de Direito, como é o nosso. Basta notar que o Executivo é eleito pelo povo e o Legislativo é o próprio povo. Em sua obra “A Divisão do Trabalho Social”, capítulo “Solidariedade Mecânica ou por similitudes”, Émile Durkheim discute exatamente este ponto, indo mais longe ao afirmar que a pena recebida por determinado crime é decidida a partir do tamanho da ofensa feita àquela sociedade. Não se trata de o quanto a sociedade foi afetada, mas o quanto tal atitude fere os princípios éticos e morais predominantes.

Mas a questão que desejo aqui estudar é: Qual a fronteira entre a intolerância coletiva e a liberdade individual? Isso é de se pensar, tendo em vista que vivemos em um Estado Democrático de Direito. Até onde o Estado pode interferir na vida pessoal, até onde o indivíduo pode se auto-determinar?

Durkheim explica em sua obra que a sociedade institui limites à atividade humana, a fim de criar estabilidade social. Através de normas, estabelece-se um padrão que mantém a coletividade coesa. Da mesma forma que um organismo combate uma célula que não está funcionando da forma como deveria, um agrupamento deve punir um indivíduo que compromete o desenvolvimento de sua sociedade. Esses limites pertencem ao consciente coletivo. Não se trata de limites universais, de acordo com Durkheim, mas de limites criados pela coletividade. Como diziam os nominalistas: “Mala quia prohibita, non prohibita quia mala”.

Mas há de ser lembrado que o Estado Democrático não pode interferir em assuntos pessoais. A intimidade familiar deve ser preservada, a liberdade de expressão, de ir e vir, liberdade de culto, e todos os outros direitos fundamentais estabelecidos no artigo 5º de nossa carta magna. Essa é a diferença entre Direito e moral. A relação entre indivíduos, ou entre indivíduos e o Estado, precisa de regulamentação; mas tudo aquilo que couber apenas ao indivíduo, como seus valores e sua ética pessoal, deve ser preservado para si mesmo. Apenas Estados totalitários, onde a ideologia nacionalista e idólatra é a única aceita, ousam impedir o indivíduo de pensar segundo seus próprios conceitos, formulados ou aceitos de forma voluntária.

O fator complicador desta lógica é a intolerância, tanto por parte da coletividade como de um ou mais indivíduos. As leis gerais são estabelecidas por critérios abstratos, subjetivos. Muitos acreditam que o Direito possa doutrinar a sociedade, obrigando-a a aceitar certas práticas e descartar outras. Isso parece incabível em nosso país, mas é o que acontece de forma natural na República Popular da China, por exemplo, em que só há um partido político, o PCC (Partido Comunista Chinês) e seus cidadãos não podem agir de forma contrária ao desejado pelo governo, nem mesmo na intimidade de seus lares. Livros, filmes, músicas, tudo deve ser muito bem analisado antes que a população tenha acesso. O mesmo pode ocorrer ao contrário, quando a coletividade se volta contrária a liberdade de um ou de outro. É o caso dos linchamentos, em que o indivíduo teria direito ao devido processo legal, a um julgamento imparcial, mas a sociedade se revolta contra esse.

Dessa forma, notamos que não é tão simples manter o equilíbrio entre liberdade individual e consciência coletiva. Ambos podem se impor de forma negativa, prejudicando o desenvolvimento do grupo. Sendo assim, é importante que antes de qualquer lei ou medida administrativa do Estado ser oficializada, necessário é que haja um grande debate a cerca dela. Não basta que um ou outro concorde, mas que todos estejam de acordo com a decisão e se responsabilizem por seus efeitos. Uma sociedade democrática deve priorizar o debate, evitando soluções rápidas e mal pensadas. Ressuscitemos a Ágora de nossos ancestrais políticos, aprendamos com as experiências letais de China, Coréia do Norte, Alemanha nazista e Itália fascista.

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