Max Weber faz uma importante demonstração da história e da importância da profissionalização do direito e faz comentários pontuais acerca do corporativismo na advocacia. Seu texto parece ter ainda mais sentido nos dias de hoje em relação ao contexto histórico em que foi escrito, ainda mais no Brasil, onde a problemática jurídica, situada entre a profissionalização e o corporativismo, tendo como símbolo dessa problemática a Ordem dos Advogados do Brasil e seu exame, está constantemente em evidência. Diante disso, a discussão sobre a profissionalização e o corporativismo no direito a partir do texto do referido autor se faz importante.
O direito como existe hoje, estável e racional, só foi possível após muitas mudanças. O direito primitivo, flexível, variável e irracional estava intimamente ligado ao caráter religioso e quem o manuseava eram anciãos e sacerdotes. Vale citar que não é possível condenar o direito só por ele ter surgido relacionado à religião. Como bem pauta Herman Heller em sua Teoria do Estado, a política também esteve ligada à religião no princípio da sociedade ocidental e se manteve assim por muito tempo. Em ambos os casos houve uma evolução que desvinculou tanto política quanto direito da religião: no primeiro caso, a necessidade e a ascensão de uma nova classe foi o fator fundamental, enquanto no segundo caso foi a profissionalização do próprio direito.
A profissionalização do direito precisou, além de se desvincular da religião, passar por fases de intersecção entre direito formal e popular, inclusive na prática e nas decisões jurídicas, até enfim chegar ao seu momento de racionalização e cientifização, quando os advogados leigos assumiram os cargos e o controle da prática e o direito foi tratado como ciência, necessitando da prova e tendo a lei como objeto de estudo empírico, positivo.
É a partir desse contexto que Weber cita o ensino do direito na modernidade nas escolas da corporação e o interesse econômico da classe dos advogados. O autor afirma que causaram especialização crescente e estabilização do direito, mas também causaram o aumento do corporativismo.
Pulando alguns anos na linha do tempo e fazendo análise do Brasil do século XXI, é possível observar a mesma preocupação com a profissionalização e o corporativismo no direito. Como símbolo dessa preocupação, a última decisão do STF, sendo decisão de "repercussão geral" e portanto válida para as instâncias inferiores do Judiciário em casos idênticos, acerca da obrigatoriedade do Exame da OAB dando parecer favorável para a obrigatoriedade da prova.
Como é afirmado pelo ministro Marco Aurélio, os advogados constituem categoria excepcional por ser essencial à administração da justiça. Por isso, a imperícia na prática da advocacia geraria danos irreparáveis e a liberdade da profissão não se restringe somente à vontade particular, mas pode ser limitada já que está em jogo o bem comum. Portanto, a OAB pode avaliar os acadêmicos, de modo a avaliá-los individualmente para saber quem está e quem não está apto a exercer a prática do direito no Brasil. Tais argumentos apontam para uma valorização da profissionalização do direito.
Ao mesmo tempo, como ministro Luiz Fux afirma, mesmo acompanhando o parecer favorável do ministro Marco Aurélio, o Exame está a caminho da inconstitucionalidade já que está a prescindir da participação da magistratura, do Ministério Público e da Advocacia da União, que é a forma como ocorre nos Estados Unidos com a "Bar Association", exame análogo ao da OAB no Brasil, e que é controlado pelo judiciário. Vale ressaltar que a OAB faz a avaliação independentemente do Ministério da Educação, a quem relegou a função de avaliar os cursos de maneira geral, e que a dificuldade da prova tem restringido demais os aptos à prática jurídica no país, já que mais de 85% dos candidatos que prestaram o Exame nas últimas duas vezes foram reprovados e que os índices de aprovação das 10 melhores faculdades de direito do país estão na faixa dos 60%, ou seja, 40% de reprovação, o que gera oposição frente à exigência que tem sido feita, inclusive por profissionais e experts da área. Tais fatores atestam indícios de corporativismo, independentemente de se concordar ou não e de se achar bom ou não. O Exame da Ordem e a forma como tem sido tratado é sim fator de corporativismo. E corporativismo acentuado, diga-se de passagem.
De certa forma é válida a ideia de que certas profissões sejam limitadas quando está em jogo o bem comum. A profissionalização é essencial em certos casos e o caso do direito é um dos mais importantes. Entretanto, que sejam realizados exames em todas as profissões nessas condições (citando por cima medicina e certas engenharias onde a imperícia também causa danos irreparáveis) para que a população enfim enxergue que é o bem comum que está sendo preservado e não só a categoria dos advogados. Que seja também realizado o Exame de forma a não ser somente forma de evitar a supersaturação do mercado de trabalho jurídico, com uma dificuldade aceitável para a exigência feita e que haja a participação de todos os órgãos interessados na prova, como a magistratura, o Ministério Público, a Advocacia da União e o próprio Ministério da Educação (que teoricamente é formado por experts em analisar alunos), o que tiraria o possível caráter inconstitucional da prova e daria ainda mais um caráter de incentivador da profissionalização do advogado.
Portanto, é preciso que exista bom senso entre a ciência e a corporação no direito. Sua profissionalização não pode gerar corporativismo exacerbado e o contexto atual demonstra claramente o quanto Weber acertou em seus comentários na sua obra e a importância da sociologia para a análise e a prática do direito.
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