segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Desde que não me afete...

Atualmente, é comum a concepção de contrato como sinônimo de segurança, garantia ou perduração de um poder regulado juridicamente. Esse é um dos assuntos que Max Weber aborda em "Economia e Sociedade", voltando sua análise ao princípio da liberdade de contrato, surgida essencialmente com a ampliação do mercado. Entretanto, é importante ressaltar que nem sempre se pensou assim. A ideia de que contrato cria direito aparece apenas na época moderna, como resultado das mudanças e novas exigências econômicas oriundas do capitalismo. Sendo o mercado parte integrante da sociedade, deveria este ser regulado por normas jurídicas, que trariam segurança e ordem aos acordos firmados. Anteriormente, por outro lado, o contrato carregava "elementos mágicos", ocorrendo apenas dentro das relações familiares ou afetivas, em que as ligações pessoais impediam as queixas.

A evolução da liberdade de contrato possibilitou os acordos entre quaisquer pessoas sem que aspectos como status ou consanguinidade fossem considerados relevantes, e isso, de fato, contribuiu para consolidar o sentido jurídico de liberdade, que constitui em ter direitos efetivos e potenciais, e poder reclamá-los caso a outra parte não cumpra com as obrigações devidamente estabelecidas. Assim, o contrato consiste realmente numa maneira de assegurar direitos, e por possuir esse caráter de garantia representou um grande avanço jurídico, facilitando as funções econômicas e intensificando-as.

Todavia, não podemos ignorar que, em especial nos dias de hoje, o contrato está ganhando um sentido extremamente individualizante, estendendo-se a todas as relações sociais e até mesmo pessoais, contribuindo para afastar as pessoas e tornar a convivência em sociedade uma mera negociação, em que cada um só quer na verdade levar vantagem sobre o outro, comprometendo-se o mínimo possível.

Além disso, Weber aponta que o contrato pode significar também uma relação de submissão. Estando os limites da liberdade de contrato condicionados por ideias e interesses predominantemente éticos e políticos, esta resulta quase sempre na preponderância daquele com maior poder econômico, que pode estabelecer as condições do contrato de acordo com seus interesses particulares, usando a propriedade de bens como meio para adquirir poder sobre outros. Sob esse ponto de vista, a ordem jurídica estaria servindo para intensificar a coação e o caráter autoritário dos poderes coativos, pois é muito provável que o interessado no mercado de trabalho se sujeite às condições determinadas pela parte economicamente mais forte, por não ter outra escolha.

Em suma, não há dúvida de que o contrato representa um dispositivo indispensável para a organização econômica e social, cuja importância no âmbito do Direito também é inegável. Entretanto, nem tudo que nos cerca pode ser visto sob uma esfera contratual, pois o tipo de liberdade que ela engendra (se é que ainda podemos chamar assim, com todas as deturpações que essa palavra já sofreu e ainda vem sofrendo) limita-se apenas à possibilidade de preservar a si mesmo e de "segurar" o outro, racionalizando toda e qualquer relação entre as pessoas, dentro daquela velha ideia um tanto quanto egoísta que vemos aos montes por aí: "desde que não me afete, a causa é justa..."

(Tema 1: Contrato = liberdade?)

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