segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O perdão, a Sra. Vingança e Vossa Majestade, o Dissenso


Numa sala de aula, assistindo um vídeo sobre um acidente de trânsito que mudou radicalmente a vida de uma menina por deixá-la completamente desfigurada e dependente de vários tratamentos e equipamentos para sobreviver, vi muitas pessoas se sentindo indignadas. Não com a situação dela, mas com a causa desta. A raiva que sentiam do motorista bêbado que conduzia o carro que deu de frente com o dessa moça era maior do que a compaixão com que olhavam para ela. Ao final do vídeo, muitos comentários do tipo "Isso não é um ser humano!", "Ele que devia ter ficado assim, pra aprender" encheram o ambiente.
A população se revolta diante de certos acontecimentos, não se satisfaz com a prisão de criminosos, dependendo do que ele tenha feito. Notamos a ânsia por vingança, o desejo de que se cumpra o "olho por olho, dente por dente", em casos como o abaixo:

"Crime contra a pequena Milena Soares da Silva, 09 anos, em Jucurutu, revoltou a população local. Vários populares se aglomeraram em frente a c
asa do principal acusado, popular conhecido com Sandro, casa
do com a tia da garota. Aos gritos de "assassino", os manifestantes tentaram atingir o acusado com pedras, as viaturas da polícia foram
cercadas pela população. Por questão de segurança, o homem foi levado para a delegacia de polícia da cidade de Caic
ó. No velório da menina, o clima é de tristeza e comoção."


Se pesquisamos em qualquer dispositivo de busca sobre "crimes por vingança", nos surpreenderemos com a quantidade de informações que encontraremos. A vingança pelas próprias mãos é a que se decorrem milhares de pessoas que julgam insuficientes as medidas legais e tomam a para si o direito de fazer "Justiça". Mas... se o que está na lei não é a Justiça... o que é?
Aqui está o ponto em que se confronta o elemento positivo e racionalista do ordenamento jurídico mediante à característica subjetiva intrínseca à condição humana. Deve, sim, levar-se em conta todo o estrago que um assassino, por exemplo, pode ter causado numa família e num círculo social de variável abrangência. Ele pode ter abalado diferentes estruturas até mesmo além da privada, entre tudo aquilo que se envolvia com a vítima de seu ato. E aí, indignadas com isso e achando que é pouco ficar preso por um determinado tempo, as pessoas se revoltam, distribuindo críticas não apenas ao criminoso, mas também ao Direito.
Mas isso se contradiz quando lembramos que da mesma forma como a pessoa que foi morta tinha o direito à vida, esse que lhe tirou a mesma, também tem. Como ser humano, também é digno de direitos. Reclamações como a de que "direitos humanos só servem pra proteger bandido" se disseminam entre as massas quando se toca nesse ponto.
A passionalidade do povo, somada à característica autoritária que a sociedade assume perante a legalidade, gera esse cenário onde a Justiça tem seu significado colocado em dúvida. Seria a justiça condenar à morte o infrator? Seria a justiça deixá-lo aos caprichos da família enlutada? Seria q justiça torturá-lo? Seria justiça desconsiderar sua condição de ser humano e ensiná-lo por meio do sofrimento e da repressão? É difícil perdoar. Para toda essa massa pura, perfeita, infalível e incorruptível, é muito difícil se conformar com uma situação dessas e esquecê-la. Alguém nessa história toda não é ser humano.
O dissenso, dessa forma, reina. O desejo de vingança o entitula para tal. O perdão nem está lá - ninguém o encontrou - pra tentar fazer alguma coisa.



Fonte: http://www.gilmarcardoso.com/2011/08/15/8282/

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