domingo, 14 de agosto de 2011

Quanto é suficiente?

"A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" é uma interessante fonte de discussões acerca do capitalismo e dos fatores que possibilitaram e contribuíram para o seu surgimento. Max Weber faz uma análise histórica, opondo duas maneiras distintas de se considerar o trabalho e as relações entre o homem e a economia: o tradicionalismo, característico da sociedade pré-capitalista, e o espírito racionalista presente no capitalismo moderno. O tradicionalismo seria uma forma mais simples pela qual os homens regiam suas atividades econômicas, sendo o objetivo principal a sobrevivência, e não o lucro ou a acumulação. Por outro lado, o espírito que surge com o capitalismo moderno, embasado num outro tipo de "ética", é o de ganhar mais e mais, mesmo já se tendo o suficiente. Weber utiliza uma série de citações de Benjamin Franklin para representar essa concepção ("tempo é dinheiro", "crédito é dinheiro", etc), nas quais podemos identificar também a defesa de virtudes como a honestidade, a pontualidade e a frugalidade. Mas na verdade essa ética que Franklin defendia não passava de mero utilitarismo, visto que elas seriam virtudes apenas enquanto fossem úteis ao ser humano, ou seja, enquanto possibilitassem a aquisição.

De fato, mesmo na atualidade, podemos observar o caráter subjugador do capitalismo: a possibilidade de lucro acaba por deslumbrar os homens, que terminam numa situação de inferioridade em relação ao sistema. É evidente a maneira como o mercado força o homem a se envolver em suas relações, quase impossibilitando a existência do pensamento tradicionalista na nossa sociedade. Mas será que o homem é ganancioso por natureza? Será que essa necessidade de ter cada vez mais é intrínseca ao ser humano? E, se for o caso, essa vinculação está relacionada à satisfação das nossas verdadeiras necessidades? Essas questões são controversas, e delas extraímos o "embate cultural" que o capitalismo representa e que Weber aponta.

O autor também analisa esses aspectos do ponto de vista religioso. Segundo sua concepção, o protestantismo estaria intimamente relacionado ao sistema capitalista, tendo exercido grande influência na sua estruturação. Na doutrina católica, qualquer possibilidade de lucro era condenável, ao passo que o calvinismo, por exemplo, favorecia a atividade econômica racional e chegava a estimulá-la, dando-lhe um caráter ético positivo. As práticas econômicas não eram vistas com bons olhos pela Igreja, sendo apenas toleradas. Alguns, depois da morte, chegavam a deixar doações à Igreja como maneira de garantir a salvação e livrar-se do pecado do lucro. Entretanto, é importante ressaltar que o capitalismo não necessita mais do suporte de forças religiosas para se manter. Não se trata de uma questão religiosa, e sim da difusão de um pensamento, um "espírito de acumulação", como o próprio Weber sugere, que atua como causa do capitalismo, e não uma simples consequência. E no centro dessa nova organização econômica está o embate cultural entre os pensamentos anterior e posterior a isso. Trazendo essa discussão para a atualidade, podemos questionar o porquê, por exemplo, de darmos tanto valor a uma boa educação e formação; muitos diriam que a finalidade máxima é conquistar um bom lugar na sociedade, desempenhando uma profissão que possibilite principalmente luxo e riqueza, em detrimento de gratificação e até mesmo felicidade pessoal. É preciso reconhecer que, para a maioria, o suficiente simplesmente não é mais suficiente, e isso nos é transmitido até pela mídia. É esse aspecto que Weber questiona em sua obra, procurando entender a maneira como o capitalismo atuou nessa nova organização e se foi realmente o "culpado" por vivermos num ambiente essencialmente condicionado pelo aspecto econômico. Estaria o tradicionalismo já extinto na nossa sociedade? E mais, se o único objetivo da vida é o trabalho em si mesmo, qual é o limite dessa ideia? Será que vocação e trabalho se manifestam em nós apenas enquanto necessitamos deles, ou enquanto persiste o desejo de acumulação? Por fim, será que amanhã vamos querer mais do que hoje?

(Postagem embasada no tema 2 - Capitalismo: um embate cultural?)

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