sábado, 20 de agosto de 2011

Eros

Segundo Durkheim, os aspectos coletivos compõem a vida social, haja vista que o indivíduo sofre, durante seu processo de socialização, influência da sociedade em suas condutas. Desse modo, o fato social exerce, sobre o indivíduo, uma coercitividade, impelindo-o a reproduzir os padrões sociais e, consequentemente, limitando sua ação individual. Vale dizer que a sociedade condiciona e controla as ações individuais, através de regras impostas e cuja obediência é garantida através das punições impostas pela coletividade.

E mais, esses padrões sociais independem da aprovação individual e são assimilados diversamente por cada um. Todavia, embora essa assimilação seja distinta por cada ser, há um limite, que impede que o indivíduo infrinja totalmente as regras sociais.

Impende, ainda, salientar que esses padrões decorrem da consciência coletiva, que segundo entendimento de Durkheim:

O conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria: podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum.

Em suma, a consciência coletiva expressa a média dos valores aceitos socialmente e exerce influência sobre os indivíduos. Essa influência, por sua vez, variará conforme o tipo de sociedade e o tipo de coesão.

Nas sociedades mecânicas, ditas primitivas e marcadas pela solidariedade mecânica, verifica-se maior influência da sociedade sobre o indivíduo. Ademais, nota-se que as regras e os padrões são mais facilmente impostos pela coletividade. Consequentemente, há maior semelhança entre os membros da sociedade, decorrente da divisão social do trabalho. Há, portanto, o predomínio do Direito Penal (repressivo) no seu ordenamento jurídico. A ruptura da solidariedade social constitui crime.

Em contrapartida, nas sociedades orgânicas, típicas da sociedade capitalista, a formação social é mais complexa e tem como característica primordial a dessemelhança entre os indivíduos. Em virtude disso, a consciência coletiva tem como pilar fundamental o Direito, responsável pela coercitividade social.

Faz-se mister para a compreensão, segundo Durkheim, da concepção de crime - considerado um fato social e pode estar relacionado tanto à manutenção da ordem quanto à transformação social. Não se pode olvidar que o crime está presente em todas as sociedades, logicamente de maneira diversa, haja vista que cada uma estabelece seus padrões. Em suma, o crime pode ser entendido como uma expressão de repúdio da consciência coletiva.

Evidencia-se, mais claramente, a coercitividade social quando do cometimento de um crime. Ao repudiar o ato inaceitável, a sociedade busca manter a normalidade social através da aplicação da pena. Frise-se que esta consiste numa reação passional, isto é, resultante das paixões humanas. Por conseguinte, a resposta ao ato considerado inconcebível é desproporcional à amplitude do mesmo. Frise-se que as ações individuais são marcadas pelas paixões privadas, resultado último da influência da sociedade, ou seja, as paixões privadas são, sobretudo, a representação das paixões públicas.

Diante do exposto, nota-se, hodiernamente, a presença de uma sociedade marcada pela passionalidade, no que concerne ao repúdio ao crime. Nota-se um maior impacto moral num ato de vandalismo se comparado com uma política pública visando beneficiar uma minoria da população, cujos motivos são obscuros. Pretere-se, pois, a racionalidade à passionalidade, divergindo, assim, do atual desenvolvimento em que se encontra a sociedade.

Outrossim, a presença excessiva de paixões humanas, principalmente na esfera jurídica, implicam a imparcialidade dos julgamentos e sobretudo nas sentenças, conforme se verifica, no Brasil, principalmente, no caso Bruno e no casal Nardoni, em que a opinião pública, recrudescida pelos meios de comunicação, resultou na prévia condenação dos réus, em que fora indeferido, por várias vezes, entre outros, os remédios constitucionais inerentes aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, o “habeas corpus”. Todavia, não se verificou tal repúdio à proprietária da Daslu, ao incorrer em crime de sonegação fiscal, em valores extraordinários, que certamente contribuiriam para a implementação de diversas políticas públicas que, de certa forma, minimizariam as desigualdades sociais. E mais, fora deferido o primeiro pedido de “habeas corpus” para ela, o que demonstra total incoerência da aplicação das normas jurídicas.

Contudo, é imprescindível salientar que a paixão é inerente ao ser humano. Dificilmente, a sociedade chegará a um nível de desenvolvimento no qual prevalecerá, em todos os aspectos, a racionalidade. E mais, nem sempre a superioridade da razão contribui para o desenvolvimento e progresso da sociedade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário