quarta-feira, 29 de maio de 2024

Perspectivas e Desafios das Relações de Trabalho no Brasil Pós-COVID

      Na última década, pudemos acompanhar profundas transformações nas relações de trabalho, como a reforma trabalhista aprovada em 2017 sob o governo ilegítimo e golpista de Michel Temer, que flexibilizou os direitos trabalhistas com a criação de dispositivos como o contrato de trabalho intermitente, por exemplo. Tivemos também a reforma da previdência de 2019, que dificultou o acesso à aposentadoria, pensões por doença, aposentadoria por invalidez, etc. Tais medidas, anunciadas sob o pretexto de preservar a oferta de empregos, acabaram por precarizar as relações de trabalho, representando um retrocesso histórico na conquista de direitos pela classe trabalhadora. No entanto, podem ser compreendidas como consequências de uma conjuntura política de instabilidade, resultado da insatisfação popular com a recessão econômica e a consequente falta de emprego. Essa instabilidade política permitiu a ascensão ao poder de forças políticas representantes do neoliberalismo, obtendo inclusive apoio popular.

      Para compreendermos este cenário político, precisamos voltar ao ano de 2013. Em junho daquele ano, protestos contra o aumento da tarifa do transporte público, convocados pelo Movimento Passe Livre, tomaram as ruas da cidade de São Paulo, sendo violentamente reprimidos pela Polícia Militar, sob o comando do governador Geraldo Alckmin. Tal repressão gerou repercussão de alcance nacional e o movimento ganhou a adesão popular, inclusive de camadas da população que não participavam habitualmente de manifestações populares nas ruas, em especial a classe média. O movimento adquiriu aspectos de insatisfação popular contra o governo federal, a recessão econômica, o desemprego e a corrupção, num momento em que a Operação Lava-Jato ganhava os noticiários com denúncias de desvio de verbas públicas e recebimento de propinas por parte de congressistas e diretores de empresas estatais, como a Petrobrás. Essa operação, enviesada em diversos momentos, contribuiu, apoiada pela grande mídia, para minar o governo de Dilma Rousseff, então Presidente da República pelo Partido dos Trabalhadores, e conquistar a opinião pública contra seu governo. 

      A partir desse esvaziamento das pautas populares, ganhou força entre a população o discurso anti-político, que possibilitou a ascensão da direita e extrema-direita no país, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff e culminando na eleição de Jair Bolsonaro em 2018 (Lula, seu principal adversário político, estava preso, condenado sem provas em um processo viciado por um juiz posteriormente considerado suspeito pelo STF).

      Podemos observar também, nos últimos anos, sobretudo após a pandemia da COVID-19, algumas tendências no mercado de trabalho, consoantes às transformações políticas no país e ao avanço do neoliberalismo: aumento do trabalho informal, puxado pelo fenômeno da "uberização", o advento do teletrabalho, que acaba flexibilizando a carga horária (para mais), a terceirização (essa já bem estabelecida antes da pandemia) e a contratação sem vínculo empregatício - prática conhecida como "pejotização" (PJ - pessoa jurídica) em que o empregado é contratado como prestador de serviços, sem registro em carteira de trabalho, ainda que preste estes serviços de forma contínua.

      Tais tendências revelam o caráter precário das relações de trabalho no Brasil de hoje. O avanço do neoliberalismo suprime direitos trabalhistas, na contramão de conquistas históricas como restrição da jornada de trabalho, férias remuneradas, décimo terceiro salário e aposentadoria. Empresas como Uber e ifood abriram brechas para uma exploração da força de trabalho sem qualquer regulamentação, livres de qualquer responsabilidade enquanto empregadores - como indenização no caso de acidente de trabalho, férias remuneradas, contribuição previdenciária e fundo de garantia. O trabalhador informal acaba sendo o mais prejudicado nessa dinâmica, uma vez que não possui direitos nem proteção contra a exploração de sua força de trabalho. Diante dessa perspectiva, faz-se necessária a regulamentação dessas "novas" relações de trabalho, que não passam de mecanismos para burlar a legislação trabalhista sob a roupagem de inovação tecnológica. Sob o aspecto econômico, é essencial o aumento da oferta de empregos formais, que pode ser alcançado com investimentos nos setores da indústria, do comércio e de serviços. E em termos de políticas públicas, ampliar o acesso à capacitação profissional, por meio de escolas técnicas e universidades públicas, principalmente entre a população mais vulnerável, que não pode custear sua formação profissional.

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