segunda-feira, 3 de abril de 2023

Uma crônica não-positiva

         Após meses de estudo para o vestibular, finalmente hoje foi o dia em que fiz minha matrícula. Geralmente as famílias ficam felizes quando se consegue entrar em uma universidade boa, de nome, mas não foi meu caso, afinal um filho cursando Ciências Sociais não é algo para se orgulhar, certo? Maconha, chinelinho de Jesus e todas essas  coisas que dizem que o pessoal das humanas faz.

O sábado acabou e chegou o dia de almoço com a família, afinal é 25 de janeiro, feriado aqui em São Paulo, dia em que nos juntamos para comer e ver a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Minha família como boa descendente de italiana, torce para o verdão, que está de novo na final, mas até nisso eu quis ser o diferente, afinal como poderia eu não torcer para o time da democracia? Vai Corinthians!

Almoços em família são sempre complicados, e eu quase não falo e tento não prestar atenção porque se não me vem a indigestão de pensar em cada frase proferida ali em cima de comidas tão gostosas. Especialmente hoje foi difícil pois esqueci de bloquear meus familiares no story do Instagram e eles acabaram vendo minha aprovação em Ciências Sociais antes que eu pudesse contar, que droga...Por que será que os jovens de hoje em dia precisam postar tudo? Tudo bem, vou descer as escadas e encarar a realidade. 

Droga, ainda faltam 2h para o início da Copinha, e já consigo ouvir a voz do meu tio e meu avô conversando na cozinha. Ok, cumprimento meus familiares e vamos à mesa comer, hoje o cardápio é bistecca alla fiorentina. Me sento à mesa com toda a tensão nos ombros que já esperava. O seguinte diálogo começa:

- Olhei teu Instagram, Enzo. Por que não Direito? Economia? Já aprendeu a fumar maconha, né? Porque te vai ser muito útil!

Como de esperado, realmente viram meu story e definitivamente não estou preparado para ser o assunto do almoço.

Consigo ouvir a voz de meu avô dizendo:

- Realmente, esse país está perdido, os bons costumes, a educação, a ordem são coisas que só existem no passado...ah, como o passado era melhor de se viver. Esses jovens vão estragar o país, é só olhar o absurdo que ensinam nas escolas hoje em dia. -Diz meu avô, militar aposentado, que nem se lembra da última vez que pisou em uma escola.

É engraçado como frases assim estão rondando o país, como pessoas com saudade do passado cada vez mais mostram suas caras, e os almoços de família se transformaram em um lugar cuja voz só se pode escutar de um lado. Mas custava me deixar em paz no meu cursinho que vai me deixar mais pobre, alienado e comunista (palavra deles)? O mais engraçado, ou triste, é saber que eles nem sequer sabem a história da sociologia e como originalmente ela está tão ligada com tudo isso que eles falam acerca da ordem, progresso (que está na bandeira que eles tanto defendem, depois da dos Estados Unidos e Israel, claro). Me lembro bem das aulas de Positivismo, mas nunca consegui fazer uma analogia com o presente, e agora posso perceber que uma corrente filosófica do século XIX continua presente aqui, ainda que as pessoas não saibam seu nome. O surgimento da sociologia como uma forma de procurar controlar e prever problemas - como nas ciências naturais - ainda não morreu. Será mesmo que a sociedade é feita de estágios que levam a um final feliz? Será que a resposta para a solução das crises existe realmente? 

Podem me achar maluco ao pensar que o Positivismo ainda resiste no dia de hoje, afinal como assim uma corrente que busca controlar a sociedade por meio da ciência se liga com pessoas que creem que cloroquina é útil para curar a covid? Que a Terra tem o formato plano? Penso que a essência arrogante é a mesma, a vontade de controlar o que não se controla é a mesma, a vontade de manter a moral, a cultura, a educação como está para que se assim consiga o “progresso” é a mesma. Será que as coisas realmente mudam?

Será que depois de uma aula de Positivismo eles parariam de me encher o saco?



Maria Eduarda S. Lago - Noturno
231221037

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