segunda-feira, 3 de abril de 2023

Ditaduras positivadas

Ao longo do século XX, eclodiram diversas ditaduras pelo mundo, com destaque à América Latina: Chile, Argentina, México, Brasil, etc. todos esses países passaram por regimes autoritários durante esse período (o Brasil, em especial viveu duas ditaduras em menos de um século). Contudo, muito embora esse tipo de governo seja visto de forma negativa, totalitária e opressora, no século XX muitos enxergavam-no de maneira distinta: viam nas ditaduras o desenvolvimento econômico, a modernização e, por fim, o progresso da nação. Dessa forma, percebe-se que os golpes de Estado ocorridos nessa época contaram com apoio popular, ainda que os apoiadores tivessem consciência de que com a consolidação de tais regimes suas liberdades individuais seriam cerceadas. Cabe agora o seguinte questionamento: por qual razão, então, os indivíduos abririam mão de sua liberdade, de sua autonomia, e direcionariam esforços no apoio a governos ditatoriais?

Sob o ponto de vista sociológico, a resposta para essa pergunta seria a solidariedade. Segundo o sociólogo Augusto Comte, a solidariedade assume um lugar central nas organizações sociais, de modo que os indivíduos passam a abrir mão de suas vontades, de seus desejos, de suas liberdades, de quem eles são em nome de um coletivo maior, a nação. São feitas, assim, concessões individuais para que o bem-estar da coletividade seja atendido. Nega-se a si mesmo em nome do progresso e da ordem de um todo mais amplo. Dessa maneira, o indivíduo deixa de existir e dá lugar ao coletivo, o qual tem características e vontades próprias, as quais devem encaminhar à ordem para que, assim, alcance-se o progresso. Dessa forma, tanto a Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964 quanto as manifestações de 8 de janeiro de 2023 representam esse caráter de solidariedade que, na visão comtiana, seria intrínseco às organizações sociais. Percebe-se nessas manifestações (que distam aproximadamente 60 anos entre si) clamores, cartazes e gritos em coro que almejam o retorno da ordem, a qual em ambos os casos, seria composta pela estruturação da família “tradicional” (casal e filhos heterossexuais), pela retomada dos valores religiosos (em especial, os valores cristãos), e a adoção de políticas públicas e medidas econômicas que vão de encontro ao comunismo e ao socialismo (sistemas de governo que, neste caso, simbolizariam a desordem desse organismo social).

À vista do exposto, verifica-se o enraizamento do pensamento positivista na sociedade brasileira, de modo que protestos e movimentos com características semelhantes surjam em diferentes épocas de sua história afim de reestabelecerem um mesmo aspecto: a ordem. Esse elemento da bandeira nacional é crucial para que se alcance outro também presente no mesmo emblema brasileiro: o progresso. Esse progresso, por sua vez, constituir-se-ia a partir do desenvolvimento industrial, do crescimento do PIB e da reconquista da reconquista da “moral” na política nacional. Dessa forma, diferencia-se o desenvolvimento da nação da ascensão econômica individual, uma vez uma independe da outra na medida em que esse crescimento da economia brasileira pode se dá (e se deu ao longo de boa parte de sua história) pelo fortalecimento das oligarquias e das elites já estabelecidas socialmente. Por fim, esses movimentos positivistas e ditatoriais verificados no Brasil desde os anos 1960 demonstram, em suma, a anulação dos indivíduos em prol do falso desenvolvimento da nação, uma vez que os avanços econômicos existentes nunca tiveram como objetivo oferecer melhores condições de vida à população.

 

Pedro Aurélio Sola da Silva Rodrigues 

RA: 231221088

1º ano Direito Noturno

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