domingo, 26 de março de 2023

 De um olhar enevoado para um olhar límpido

Na perspectiva de Milles, a consciência direta dos indivíduos está limitada pelas órbitas privadas em que vivem, isto é, os meios em que convivem – escola, trabalho, família. Logo, o raciocínio acostuma-se com o que é comum a esses ambientes, tornando fora do padrão os meios divergentes. Isso une ideias pares e segrega ideias dispares, prejudicando o diálogo entre diferentes. Acentua-se tal problemática com as redes sociais, que tem algoritmos que organizam os grupos semelhantes para estimular o acesso à rede. Assim, não há trocas culturais, mas a imersão em um meio no qual os princípios e os valores são homogêneos. Esse cenário é perigoso, especialmente, para a disseminação de notícias falsas, pois se o conteúdo da notícia for consonante com os credos do grupo leitor, a resistência a determinadas narrativas é diminuída. Para o pensador, a capacidade de assimilar a notícia é esmagada pela frequência a qual o bombardeamento de informações é feito.

Nesse sentido, perde-se a lucidez necessária para o indivíduo compreender as próprias atitudes perante a si e ao mundo. A imaginação sociológica, que permite a compreensão da história, da biografia e da relação entre ambas dentro da sociedade, é enevoada. De fato, isso pode ser observado com a disseminação de notícias falsas por grupos bolsonaristas: há uma concentração  virtual de pessoas que possuem em comum valores conservadores e propagam informações que beneficiam o espectro político delas, enquanto fatos, que amedrontam tais princípios compartilhados, são negados. Esses cidadãos se alienam com uma justificativa de defender a pátria e tornam-se irracionais, não percebendo como tais atos podem afetar a história do Brasil. A invasão ao Palácio do Planalto evidencia como um início, supostamente banal, de um compartilhamento falso na internet pode organizar um ataque terrorista à estrutura democrática do país.

Como resolução para a mazela social que caracteriza as fake news, pode-se recorrer a uma das bases epistemológicas da ciência moderna: René Descartes. Para ele, o método científico deve ser orientado pela razão, como forma de superar os mitos que poluem a construção do conhecimento. Logo, a dúvida deve orientar a construção do pensamento para que, assim, a ciência possa ser um elemento voltado para o bem do homem. Se a verificação de notícias fizesse parte da prática social, a irracionalidade e a alienação perderiam espaço para o conhecimento verdadeiro que Descartes tanto busca. Isso pode ser visto pela fala de Bolsonaro que constatou, sem provas, que a cloroquina teria salvado 100 mil vidas – ainda que o uso desse remédio para o tratamento da covid-19 tenha sido contraindicado pela Organização Mundial da Saúde. Nesse caso, o ideal conservador, personificado pela frase do presidente, serviu de base para um negacionismo científico que auxiliou no crescimento do número de mortos pela doença, enquanto uma dúvida poderia ter salvo tais vidas.

Conclui-se, pois, que o fluxo da consciência natural do ser humano é permanecer com o mesmo ponto de vista de seus comuns. Por isso, o fenômeno das notícias falsas é tão recorrente e configura tantos eventos históricos. A solução para tal problemática seria, como Descartes afirma, a busca pela razão materializada pela dúvida – ainda que o cerne da questão esteja entre assuntos que são familiarizados com quem os questiona. Percebe-se, então, que as pautas sociais podem ser visualizadas e analisadas sob uma ótica pertencente à sociologia, além de poderem ser, também, solucionadas por tais correntes de pensamento. Por isso, faz-se tão importante o estudo da ciência do direito para olhar para o mundo: para que o pensamento não seja limitado pelo senso comum ou pela irracionalidade, mas pela racionalidade e para o bem comum. 

Aluno: Giulia Lopes Batista Pinto
RA:  231224702
Turma: 1º ano - Direito – Matutino

Nenhum comentário:

Postar um comentário