domingo, 4 de dezembro de 2022

Injúria racial como forma de racismo

 

A injúria é caracterizada, segundo o Senado, como a ofensa que está associada ao uso de palavras depreciativas direcionadas a uma pessoa. A injúria racial, por sua vez, se configura quando essa ofensa leva em consideração elementos com base em raça, cor, etnia, religião, origem, condição da pessoa idosa ou portadora de alguma deficiência e é regulada pelo parágrafo 3° do artigo 140 do Código Penal, que aumenta a pena para crimes nestes parâmetros.

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o processo que se discutia se esse crime de injúria deveria ser reconhecido como forma de racismo, que possui penas mais severas, sendo inafiançável e imprescritível. O julgamento utilizou-se do Habeas Corpus 154.248, que negou o reconhecimento da extinção da punibilidade da paciente com, na época, 72 anos, condenada pela prática de crime de injúria qualificada pelo preconceito, por prescrição, e da Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADI 6.987, que versava sobre a colocação da injúria racial como espécie de racismo, excluindo os critérios estabelecidos pelo parágrafo 3° supracitado, pois diferenciar esses dois em crimes diferentes não teria base legal e geraria impunidade ao possibilitar a prescrição e decadência.

Para esse conflito expresso no espaço dos possíveis, conceito elaborado por Boerdieu, cabe a inserção de diversos argumentos a favor da conversão da injúria em racismo. Os advogados membros do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Soraia Mendes e Paulo Iotti, acreditam que toda vez que uma pessoa é atacada individualmente, a coletividade também é. Através do olhar da historicização da norma, Paulo diz que separar os dois é tentar mascarar o racismo no país, racismo, este, que persiste contemporaneamente, depois de mais de 300 anos de escravidão. Os negros ainda hoje enfrentam dificuldades perante a sociedade para se inserir em locais mais privilegiados sem serem questionados, para frequentarem lugares comuns, como shoppings, sem serem confundidos com bandidos, para obter as mesmas oportunidades que os brancos, enfim, para conquistarem o que é seu por direito, mas retirado pelas classes maioritárias.

Com isso, os afetados por todas essas injustiças buscam direitos através da justiça, em uma procura pelo aprofundamento da democracia por meio da equidade, momento em que entra a magistratura do sujeito, de Garapon, isto é, a busca da efetivação de direitos através do poder judiciário, tornando-se uma tarefa política primordial nessas ocorrências, tendo em vista que, se pela via judicial esses direitos já são negligenciados, por outras vias não seriam nem tutelados.

Tal ocorrência demonstra uma mobilização do direito por parte daqueles que são deixados de lado pela escassez de punibilidade do sistema aos privilegiados, a fim de chegarem ao conceito de igualdade material através da tríplice vertente da proporcionalidade. Essa mobilização auxilia na luta das gerações futuras e coloca em pauta assuntos tão importantes como este, tentando ocasionar uma transformação na cultura social geral, por mais que lenta e dificultosa. Jane Reis, por sua vez, caracteriza tal fato como ecologia dos saberes, envolvendo a busca por visibilidade, copresença e horizontalidade, conceitos fundamentais para a ADI impor suas delimitações.

Mbembe utiliza expressões para caracterizar o julgado, como a efabulação, que diz que a criação do conceito de raça é uma ficção e a desumanização do povo negro ao longo da História. Desse modo, acolher essa ação é imprescindível para que o desprezo constitucional a todos os tipos de racismo seja eficaz e eficiente.

Sob essa perspectiva, o STF entendeu que a injúria racial é sim espécie do gênero racismo. Além disso, como já citado, o Estado brasileiro deve ir de encontro com preceitos da Constituição, como o artigo 3, IV e o artigo 4°, VIII, os quais são facilitados por essa decisão.

Assim, com base nos aspectos analisados e na racionalização do direito, esse parecer pode contribuir para amenizar o sentimento de inferiorização que os racistas impõem às suas vítimas e efetivar uma punição mais adequada a crimes que ferem a honra e a dignidade de uma coletividade de pessoas, por mais que explícitas, muitas vezes, em casos individuais. Com isso, pode-se tentar diminuir privilégios das camadas majoritárias e trazer uma certa reparação aos tantos casos de injustiça presentes na sociedade que saem impunes, por mais que não tenha como efetivamente reparar tudo.


Núbia Quaiato Bezerra- Direito noturno

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