segunda-feira, 7 de novembro de 2022

BRASIL: O PAÍS EM QUE UM POSSÍVEL ATIVISMO JUDICIAL CHOCA MAIS DO QUE 316 MORTES VIOLENTAS NO PERÍODO DE 1 ANO.

 

    De acordo com o relatório do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIA+, o Brasil é o país que mais mata pessoas no mundo, devido a discriminação de orientação sexual, pelo quarto ano consecutivo. Aqui morre uma pessoa LGBTQIA+ a cada 29 horas, isso desconsiderando os casos não são contabilizados. Nesse viés, não há dúvidas de que a criminalização da homofobia realizada pelo STF, através da ADO 26, no dia 13 de fevereiro de 2019, a qual equiparou a homofobia ao crime de racismo, foi extremamente necessária e tardia. Entretanto, nem todos compactuam com essa visão, grande parte dos que discordam mascaram seus preconceitos e ideais “religiosos” e conservadores sob o argumento de que essa decisão não dizia respeito ao judiciário e que confere usurpação de poder; sinto medo e repulsa de uma sociedade que se preocupa mais com um possível “ativismo judicial”, no seu sentido pejorativo, do que com 135 seres humanos morrendo de forma violenta só no primeiro semestre de 2022.

            Em primeiro lugar, faz-se necessário o amplo conhecimento de que o STF não criminalizou a homofobia de acordo com as “vozes da cabeça” dos ministros ou porque eles são muito bonzinhos. A priori, a própria população foi responsável pela ampliação do “espaço dos possíveis”, de Bourdieu, para que a criminalização fosse uma realidade possível, realidade essa que só se deu a partir da “mobilização do direito” de Michael McCann, ou seja, as ações e lutas dos indivíduos, grupos sociais, partidos e organizações são as grandes responsáveis por essa conquista. Ademais, o Supremo Tribunal Federal só se encarregou dessa função porque o Congresso se omitiu do seu dever constitucional de garantir a punição legal de práticas discriminatórias, uma vez que se passaram décadas sem que um projeto de lei fosse debatido ou votado, e sempre acabavam arquivados, assim como os números de LGBTfobia são jogados para debaixo do tapete.

            Tal omissão, que chega quase a ser criminosa, dos parlamentares do Congresso, configura o que Bourdieu define como “instrumentalismo”, ou seja, o direito a serviço da classe dominante, a qual no Brasil sempre foi constituída por homens brancos, cis e heterossexuais, como é perceptível esse grupo não é o que sofre com os prejuízos da homofobia, é na maior parte das vezes o que causa, e muito coincidentemente, é a maioria do Congresso brasileiro, órgão esse que foca majoritariamente na manutenção dos privilégios da classe dominante e não em assegurar o direito mais básico possível a população LGBTQIA+, o direito à vida. No que também tange a omissão do poder Legislativo, Maus e Garapon afirmam que se necessário, os magistrados podem e devem ser participes no processo de criação do direito, haja vista que suas funções não devem ser puramente mecânicas. Ademais, Garapon evidencia que a justiça deve ter o intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno a partir da chamada “magistratura do sujeito”, em outras palavras, o juiz tem o dever de se colocar no lugar da autoridade faltosa para garantir uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão, no caso analisado fica claro que a autoridade faltosa diz respeito ao Congresso, enquanto os assuntos particulares de um cidadão, diz respeito a garantia de vida e liberdade de milhares de cidadãos.

            Em penúltimo lugar, vale ressaltar que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão não apenas criminalizou a homofobia como também abriu portas para o fortalecimento da luta LGBTQIA+ e para que outros direitos dessa população pudessem ser tutelados, afinal, segundo McCann, tais decisões históricas como essa do STF, que afirmam visões de uma boa e legitima sociedade, incentiva e encoraja que os demais comecem a aceitar a pauta, em termos mais técnicos, as práticas de construção jurídica dos tribunais passam a construir e modelar a vida cultural. A título de exemplo tem-se as respectivas sansões que estão sendo aplicadas a atriz Cássia Kiss, por conta de suas recentes falas de caráter homofóbico, tais medidas são estão sendo tomadas porque houve uma serie de mudanças no âmbito cultural e porque o STF agiu como catalizador da ação político social, de forma que foram fornecidos recursos simbólicos e mecanismos para que a luta LGBTQIA+ conseguisse se mobilizar cada vez mais em torno da causa.

            Entretanto, perante os aspectos debatidos acima, fica evidente de que o STF em momento algum realizou algo que não lhe dizia respeito ou estava acima da sua função, visto que a própria Constituição lhe garante o papel de “guardião constitucional” e a criminalização da homofobia fez com que chegássemos um pouquinho mais perto de concretizar o art. 5º da Carta Magna e de conquistar um pais totalmente democrático, dessa forma a ADO 26  se afasta de uma possível criação de direito e se aproxima mais de uma extensão do que a Constituição garante formalmente, mas não materialmente.



Anny Barbosa - 1º ano de Direito Noturno.

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