domingo, 20 de novembro de 2022

A busca pela igualdade material pela lei de cotas.

 

No ano de 2009, frente ao STF, o partido Democratas (DEM), ajuizou uma ação questionando a Universidade de Brasília sobre seu sistema de cotas raciais, este que destinava 20% das vagas do vestibular para pessoas pretas e 20 vagas para estudantes indígenas. O partido, em sua fundamentação, alegou a inconstitucionalidade dos atos administrativos do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília, afirmando que esses atos violariam tais fundamentos constitucionais:

       a)                  princípio da dignidade da pessoa humana;

b)                  repúdio ao racismo;

c)                  princípio da igualdade;

d)                  direito universal à educação;

e)                  meritocracia.

 

Por unanimidade do STF, o pedido feito pelo partido foi julgado improcedente, para melhor elucidação dos argumentos citarei parte do discurso do ex ministro Joaquim Barbosa “não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de nação que tenha se erguido de uma condição periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de exclusão em relação a uma parcela expressiva da sua população”. Assentou que existe “no Direito Comparado, vários casos de medidas de ações afirmativas desenhadas pelo Poder Judiciário em casos em que a discriminação é tão flagrante e a exclusão é tão absoluta, que o Judiciário não teve outra alternativa senão, ele próprio, determinar e desenhar medidas de ação afirmativa, como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, especialmente em alguns estados do sul”.

Os demais ministros fundamentaram resumidamente que cabe sim ao Estado entender e enfrentar desigualdades materiais, assegurando que as cotas raciais são compatíveis com a Constituição Federal pois preservam a proporcionalidade e a função social da universidade.  

Á vista do primeiro pensador discutido, a ação do partido caracteriza um retrocesso, um passo pra trás do que Pierre Bordieu designa como espaço dos possíveis. O que a Universidade de Brasília efetivava não era um favor ou um privilégio as pessoas pretas, mas uma iniciativa de equiparação devido todo histórico que a escravidão e o preconceito ainda presentes conduziram. Dessa forma, o espaço dos possíveis foi diminuído, questionado, e por meio do protagonismo judicial foi preservado.

Protagonismo esse muito salientado pelo segundo pensador, Antoine Garapon, que evidenciava de forma natural um maior fortalecimento do poder judiciário, contemplando o texto constitucional de maneira mais ampla. Papel esse que antes era feito pelo legislativo por meio de leis ordinárias, mas devida a lentidão do mesmo para alcançar resultados efetivos e atender as demandas sociais, coube ao judiciário. De forma alguma, e como infelizmente acreditam muitos, essa e outras decisões do judiciário representam um possível risco a legitimidade democrática. O que estamos vendo é justamente o oposto, o judiciário segue fazendo o que a própria Constituição federal o delimitou a fazer, é realmente uma consequência de nosso ordenamento, não uma prática puramente política. Como sustenta Garapon, cabe ao judiciário dar perceber as expressões vagas do ordenamento e dar a elas sentido, pois, incutir a ele somente uma tarefa de decisão o torna meramente mecânico.

 A mobilização do direito, nesse caso, foi fruto das longas e intensas batalhas de um grupo excluído e oprimido por séculos. Quando, depois de muito tempo, esse grupo recebe ações publicas que são suas por direito, isso incomoda a classe opressora, que estava confortável com a igualdade formal. Essa decisão não foi gerada simplesmente por ideias deliberadas do magistrado, nem somente pelas lutas sociais dos grupos, foi sem dúvida um exemplo concreto da mobilização do direito, onde os tribunais representaram apenas um dos agentes significativos na batalha pelo progresso democrático.

Politicas publicas como a de cotas, buscam diminuir a linha abissal que ainda perdura na sociedade contemporânea. A segregação, o entendimento de que, como expõe Sara Araújo “o outro não é só selvagem, é atrasado, primitivo, arcaico” e por isso não devem se misturar, propagam e reforçam essa separação entre raças ainda presente no nosso país com a falsa retórica de que a mera igualdade formal basta. O branco, nessa narrativa racista, é e sempre foi para quem o direito serve. Dessa forma, muitas vezes preservam e garantem apenas direitos que estão presentes na realidade branca, como se fosse a realidade vivida por todos os cidadãos. Conclui-se, assim, como importante e adequada a decisão do STF, buscando enxergar todo o contexto e objetivo das cotas raciais para a realidade brasileira.



Vinicius Alves do Nascimento

Direito Matutino 

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