domingo, 6 de novembro de 2022

A atuação proativa e a mobilização do direito como formas de enfrentar o capital simbólico

 

 De início, o capital simbólico, conceito difundido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, abrange a ideia de que o capital provedor de desigualdades  não só se materializa através de dinheiro e bens materiais, perspectiva  comumente mais difundida dentro da literatura científica . Há dentro do meio social,  recursos de outra natureza, que permitem os indivíduos ocuparem posições de distinção dentro de diferentes campos. Este capital simbólico, denominado assim por Bourdieu, auxilia  na perpetuação de disparidades. Deste modo, indivíduos se diferem de outros não só pelo poder econômico e relação de dualidade proletário-burguês de obtenção ou não dos  meios de produção, mas também pelas relações interpessoais que facilitam acessos à recursos de poder( capital social),  conhecimento adquirido por meio de educação formal (capital cultural) e outros. Tais expressões e junções do capital simbólico fomentam um poder simbólico, que define a capacidade de exercício do domínio e imposição de uma perspectiva de mundo social conforme interesses de elites com maior acúmulo de capital simbólico. Assim, no contexto brasileiro, o capital simbólico é fator presente para aqueles enquadrados como homens brancos heterossexuais. Por mais que a Constituição cidadã de 1988, dentro de seus espaço dos possíveis represente marco importante para a obtenção de prerrogativas a todos os brasileiros e brasileiras , há de se considerar que existem forças estruturais simbólicas históricas que dificultam o acesso à justiça , principalmente a grupos minoritários que contradizem ideias e poderes já difundidos em um meio social desigual, em que relações de poder permanecem de séculos. Desta maneira, como é possível alterar minimamente tal panorama?

  Em primeiro plano, uma atuação proativa contramajoritária  do poder judiciário pode fomentar mudança. Importante dizer que tal forma de atuação não se trata  da perspectiva trazida por Ingeborg Maus, onde a justiça configura-se como a mais alta instância moral, superego da sociedade, paternalismo judicial que causa dependência , mas sim da magistratura do sujeito, conceito de Antonie Garapon. Aqui, para Garapon, a justiça tem a função de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno, amparando este sujeito no alcance de direitos, permitindo consubstancialização de toda a dignidade democrática que o sujeito constitucional tem, ou em tese, deveria ter. Desta maneira, o poder judiciário, se justifica como instância possível de enfrentamento à relações de poder permeadas pelo capital simbólico. Exemplo claro de tal ideia,  é a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão(ADO) 26, que criminalizou a homofobia. A justiça, contrariando o conservadorismo presente nas elites dominantes, detentoras de capital simbólico, e até mesmo figuras representes destas nos outros poderes, tornou possível de penalização condutas ofensivas à homossexuais. Tal ação não se caracteriza como ativismo judicial, invasão de poderes, mas simples garantia de prerrogativas a grupos marginalizados por opções sexuais distintas daqueles que possuem poder simbólico.

  Em segundo plano, tal atuação do judiciário, na maioria das vezes, não é algo isolado, tendo influência de outros atores. Surge aqui, a mobilização do direito, definida por Michael W. McCann, como ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores. Desta maneira, movimentos sociais, ONG´S, partidos políticos,  pressionam os poderes para conseguirem que necessidades ou desejos sejam traduzidos em uma reinvindicação de lei ou afirmação de direitos legais. Nota-se, por exemplo, na ADO 26, que a mobilização da população homossexual diretamente afetada  ou de outros atores próximos, por meio de manifestações e outras ações, permite enfoque  de partidos políticos progressistas ligados à causa , acionando o judiciário para materialização do direito ou criação de medidas que evitem danos. . Tal modo de atuação é baseado em estratégias inspiradas nos precedentes criados pelas ações judiciais, ou seja, como o judiciário tratou temas semelhantes a estes e quais foram os meios e formas de atuação necessárias para a materialização dos interesses. Além disso,  busca-se entender como as práticas de construção jurídica dos tribunais são constitutivas de vida cultural. A interpretação constitucional dos tribunais afirma visões de uma boa e legítima sociedade. Com isto, minorias e seus atores, por meio da mobilização, enxergam uma forma de se enquadrarem no meio social a partir de ações judiciais.

Em síntese, nota-se que a atuação proativa do judiciário e a mobilização do direito fazem parte de um mesmo sistema de reinvindicações. A judicialização da política, deste modo, é uma consequência da mobilização .Tais mecanismos são formas conjuntas  legítimas de enfrentar elites detentoras de capital simbólico.

João Felipe Schiabel Geraldini. 1ano. Direito Noturno.

 

 

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