quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Perspectivas acerca da nova realidade: o termo judicialização faz sentido?


O termo judicialização cada vez mais está permeado por pressupostos e generalismos, essencialmente, em um contexto social em que assuntos de grande repercussão estão inseridos na agenda do judiciário. Essa centralização da corte, envolta por aplausos e críticas, merece uma análise cuidadosa capaz de esclarecer os reais significados de tal protagonismo, tendo em vista o largo alcance político e a discussão acerca de temas polêmicos na sociedade. 

Entendida como um fenômeno político-social, a judicialização advém do avanço do neoliberalismo e da crise do Estado do Bem-Estar Social na Europa e dos pós-regimes ditatoriais na América Latina, os quais contribuíram para a ampliação das garantias constitucionais e do acesso à justiça devido a crescente crise de representação político-partidária. Segundo Garapon “Chama-se justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor”.

Convém ressaltar, a princípio, que o fenômeno da judicialização está intimamente relacionado ao fato de transferir para os juízes um poder capaz de modificar e influenciar a maneira de participação da sociedade. Segundo Barroso, em seu texto “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”, esclarece que a grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como resultado a criação da Constituição de 1988. Nesse sentido, menciona ainda que, o judiciário passou de um departamento técnico-especializado para um forte poder político capaz de mudar a Constituição e leis, confrontando, assim, com outros poderes, entre eles, o legislativo. 

Diante do exposto, o significado do termo judicialização, embora envolto por essa denominação até aqui apresentada, é entendido de maneira deturpada, uma vez que o termo em si coloca o judiciário como centro, e dentro da perspectiva de Garapon, por exemplo, o judiciário não se “move” sozinho, ou seja, ao tratar de temas como da comunidade LGBTQIA+, racismo, feminismo, aborto, entre outros temas, há uma movimentação de um fenômeno social em que é a sociedade que busca essa tutelarização e relega a um segundo plano sua liberdade para o maior controle do juiz, o que segundo o autor “A abstração democrática é necessariamente teórica, e um tanto angelical, e postula a autonomia dos cidadãos mas não imagina o contrário”. 

Isso decorre da ideia de uma prática que aprofunda a democracia capaz de tutelar os indivíduos desamparados, ou seja, o termo judicialização no meu ponto de vista coloca o juiz no lugar da autoridade faltosa que não correspondeu às expectativas de direito dos indivíduos, e com isso, consegue uma maior intervenção nos assuntos particulares dos cidadãos, o qual transforma o direito em uma moral por ausência. Com isso, o termo judicialização serve de amortecedor frente aqueles que querem exercer o direito de maneira direta, ou seja, não se move de maneira autonoma para lidar com assuntos de relevância social, como o que foi discutido na ADPF 54 acerca do aborto de feto anencéfalo, na ADI 4.277 sobre o reconhecimento da união homoafetiva e no caso recente em que o STF obriga os municípios a garantir vagas em creches. Casos estes em que foram levados ao judiciário, respectivamente, por conselhos médicos e entidades religiosas, pela comunidade LGBTQIA+ e por mães em busca de vagas, ou seja, movimentos de caráter social e que não possuem origem por um ato particular do judiciário. 

Dentro dessa perspectiva pode aludir que o termo judicialização é algo natural dentro da sociedade, haja vista que as complexidades sociais mostram-se cada vez mais dependente da tutelarização advinda dos magistrados, não apenas pela omissão e ausência do poder legislativo como representante do povo, mas também pela morosidade de se conseguir respostas. Segundo Barroso, “a judicialização que, de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica filosófica ou metodológica da corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho constitucional vigente”. Esse é o ponto principal, pois, ao acompanhar as mudanças constitucionais, a judicialização, mesmo que carregada por deturpação, apresenta-se como uma consequência, ou seja, não é um exercício deliberativo de vontade política, mas sim da vontade social. 

Fica claro, portanto, que o vocábulo “judicialização” não deve ser analisado por generalizações e muito menos crenças pessoais para invalidar o poder judiciário, mas sim como uma grande balança para validar a democracia até então presente, essencialmente, no que se refere a dar respostas para os anseios sociais. Falar do termo judicialização, não é aludir ao judiciário, mas sim ao poder social, o que, de fato, movimenta questões importantes a serem discutidas na sociedade. E aqui, cabe uma reflexão, será que é viável continuarmos com a utilização desse termo? Não seria mais propício algo que se referisse diretamente aos movimentos sociais? Ou até mesmo que aludisse acerca do seu real sentido e alcance? 


Natália Lima da Silva 

Turno: Matutino, 1º ano de Direito.


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