segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Racionalidade e ADPF 54

O sociólogo Pierre Bourdieu traz novos conceitos interessantes para o meio jurídico, entre eles estão o Habitus, o campo e o capital. Eles se definem por, respectivamente, uma estrutura que molda a sociedade e influencia no ambiente; um lugar em que se reproduz o habitus, espaço de atuação do indivíduo; e existem diversos capitais, que são aspectos contribuintes para as diferenças e desigualdades no corpo social. Um dos campos existentes é o campo jurídico, que se define por um campo com certa independência de pressões externas e segue sua própria lógica, sendo ela pautada pela racionalidade, apesar de existirem limites para as interpretações nesse campo.

De maneira prática, é possível perceber os conceitos de Bourdieu, principalmente no que se refere à esfera jurídica, realizando a análise de alguns casos. Aqui entra a ADPF 54, que levou à aprovação do aborto em casos de feto anencefálico, mas não sem antes gerar diversos embates sobre a pauta. Essa divergência de opiniões se concentra em dois grupos que, por conta do meio onde estão inseridos e das estruturas que moldaram esse meio (ou seja, o campo e o habitus), trazem perspectivas diferentes sobre a decisão. Um deles, o lado a favor da aprovação do aborto nesses casos, apresenta os danos causados a mulher ao ser obrigada a continuar uma gestação que não irá gerar um indivíduo com perspectiva de vida por mais que um ano, mostrando o sofrimento que isso trará para mãe e para o resto da família, além de destacar a privação de liberdade sobre o próprio corpo da mulher que é obrigada a manter a gestação. Já no grupo que vai contra, é visível influências religiosas que os inclinam a pensar que abortar o feto anencéfalo seria como matar alguém, pois para eles a partir da concepção, já é vida.

Para resolver essa situação foi utilizado o campo jurídico, assim se baseando em fatos e mantendo-se racional, sem se deixar levar por crenças religiosas ou populares. O espaço dos possíveis no direito se diferencia dos outros campos, e na tomada de decisões é preciso analisar a legislação e os direitos a serem feridos dependendo do que será decretado. Portanto, nesse caso, a decisão foi positiva para o aborto, pois dessa maneira se mantém os direitos essenciais da mulher, como dignidade e liberdade, e não se caracteriza como privar o feto da vida, no âmbito jurídico, já que ele ainda não é reconhecido como um ser humano vivo.


Beatriz Moraes Rodrigues de Oliveira 

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