segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A ADPF 54 sob uma análise de Pierre Bourdieu: a interdependência entre os conceitos de Domínio simbólico e Espaço dos possíveis diante da posição da mulher na sociedade.


A ADPF 54 sob uma análise de Pierre Bourdieu: a interdependência entre os conceitos de Domínio simbólico e Espaço dos possíveis diante da posição da mulher na sociedade.

 

Ajuizada perante o STF em junho de 2004, a Arguição de descumprimento de preceito fundamental n°54 (ADPF 54) teve por objetivo garantir às mulheres grávidas de anencéfalos o parto antecipado sem prévia autorização judicial. Nesse sentido, seria por meio do não enquadramento penal de tal prática médica nos artigos 124, 126, caput, e 128, incisos I e II do Código Penal que ter-se-ia a plena garantia de tal direito (Fernandes, 2007).

 

Diante do exposto, tem-se que o tema posto (aborto) torna-se extremamente polêmico ao passo em que traz à tona justamente a discussão jurídica combinada com o campo científico acerca de um assunto pouco amadurecido sob o campo da aceitação social e possível omissão do poder público, por isso a necessidade de sua judicialização. Nesse viés, segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2019, fato é que o Brasil é um país majoritariamente feminino e, contrariamente a suposta ocupação das mulheres em campos dominantes da sociedade, percebe-se a importância da mobilização social originada pela ADPF 54 em favor desse grupo considerado minoria by force (indivíduos pertencentes a grupos que necessitam do reconhecimento de seus direitos como tal) (WUCHER, Gabi. op. cit., 2000, p. 50-51).

 

Além disso, a complexidade do tema discutido pela ADPF 54 permite uma análise sob os ideais do sociólogo Pierre Bourdieu graças à fragmentação que o sociólogo faz a respeito de como as áreas da sociedade são compostas. Assim, segundo ele, existem os chamados campos jurídico, econômico, cientifico, artístico e político, os quais exercem o chamado poder simbólico, responsável por pautar as relações sociais por meio de relações de autoridade (dominador contra dominado) (BOURDIEU, Pierre., 1989). Nesse contexto, extrai-se da ideia de domínio simbólico o chamado espaço dos possíveis, cujo preceito aqui é analisado sob a perspectiva de que a intencionalidade dos operadores do direito – doravante representantes do campo jurídico - em pleitear demandas sociais não é o que garantirá a aquiescência dos demais campos que regem a sociedade.

 

Dessa maneira, o que se revela do conceito de domínio simbólico é o fato de que a prerrogativa do domínio é o que torna o ser diferente no âmbito concorrencial (aqui utiliza-se o termo “concorrencial” no sentido de acesso a direitos materialmente garantidos) e, nesse sentido, a depender da posição que o ser ocupa, tem-se a promoção dos seus interesses e a imposição de suas posições ideológicas (BOURDIEU, Pierre, 1989, p.11). Por isso, é possível estabelecer uma relação de interdependência entre o aspecto de que a hierarquia, proposto pelo conceito de domínio simbólico, rege o espaço dos possíveis quanto ao fato de garantir ou não o direito a plena aceitação dos demais campos da sociedade.

 

Diante do supracitado, conclui-se de maneira sucinta que a ADPF 54 pode ser caracterizada, segundo os ideais de Bourdieu, como um meio necessário para que as mulheres pudessem pleitear um direito sob o âmbito do campo jurídico que pela sua condição de minoria encontrou-se denegado pelos outros campos da sociedade descritos pelo sociólogo.

Michel Vieira Pereira da Silva

1° ano Noturno

 Referências:

WUCHER, Gabi. Minorias: Proteção em prol da democracia. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 50-51)

FERNANDES, Maíra Costa. 2007. “Interrupção de gravidez de feto anencefálico: uma análise constitucional”. In: D. Sarmento & F. Piovesan (orgs.), Nos limites da vidaaborto, clonagem humana, eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos Rio de Janeiro: Lumen Juris. pp. 111-158.


BOURDIEU, Pierre. “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.







 


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