segunda-feira, 13 de junho de 2022

O materialismo do devir

 

Primeiramente, Marx e Engels investigam a mobilidade contextual que ambienta a realidade demarcada por contradições inconstantes. Sendo assim, a percepção do cenário factual é caracterizada pelo materialismo histórico, o qual está sujeito às mudanças e modificações, corroborando a disputa de classes devido ao movimento permanentemente conflituoso entre dominantes e dominados. Consequentemente, o trabalho, efeito condicionante material, representa uma circunstância ontológica e inerente aos seres humanos, abarcando as relações sociais vinculadas ao modo de produção laboral.

Sob esse viés, cabe reiterar a gênese da dialética concebida por Heráclito, visto que o filósofo define o fogo como substrato fundamental e alicerce da composição da matéria. Logo, o fogo representaria o constante “devir”, configurando o âmbito transformador e mutável da realidade e materializando a incessante luta de aspectos antagônicos. Análoga à conjuntura proposta por Heráclito, a compreensão de Marx pode ser aludida como produto da dialética transformadora pautada de acordo com o “devir”, afinal, tanto o método como o espírito são expoentes da compreensão do mundo, o qual é consubstanciado em decorrência da mobilidade e do dinamismo histórico. Assim, ilustrada por Heráclito, a incessante luta entre contradições pode convergir na vertente laboral e hierárquica proposta por Marx, evidenciando o contraste em relação à luta de classes entre dominadores e dominados.

A perspectiva marxista, atrelada ao pensamento de Engels, antagoniza e se contrapõe à concepção de Hegel em relação à divergência entre sociedade civil e Estado. Nesse viés, de acordo com a perspectiva hegeliana, a função estatal representa a primazia dos interesses coletivos, consolidando a dinâmica histórica e se sobrepondo ao prestígio da sociedade civil, a qual representa as dimensões particulares. No entanto, contrastando com o pensamento supracitado, Marx e Engels argumentam que é ilusório pormenorizar a finalidade do Estado como artifício representativo universal dos interesses coletivos, tendo em vista que a incumbência estatal seria o basilar simbólico do usufruto hegemônico de apenas uma classe. Logo, de acordo com Marx, o Direito iria exprimir e contemplar os interesses apenas da burguesia.

Entretanto, traçando um parâmetro comparativo entre a investigação marxista e a esfera jurídica contemporânea, é notório evidenciar que, em decorrência da sapiência e da compreensão das transformações factuais, ocorreu uma efetiva mudança progressista vinculada à percepção da realidade, a qual constitui o materialismo histórico. Portanto, o Direito não mais regimenta e satisfaz somente os interesses da uma classe preeminente, todavia as matrizes jurídicas hodiernas solidificam uma abrangente amplitude de garantias fundamentais conferidas às classes marginalizadas. A exemplo disso, cabe citar a formulação do Estatuto do Índio de 1973 como avanço progressista do Direito, assegurando a manutenção das culturas e costumes das comunidades indígenas. Entretanto, apesar das regulamentações sociais e das dimensões assecuratórias destinadas aos mais vulneráveis, é insuficiente discorrer sobre as garantias, limitando-as ao cunho formal da Lei 6.001. Desse modo, é imprescindível efetivar as prescrições intrínsecas ao Estatuto do Índio, tornando-as tangíveis e mitigando consequências irreversíveis promovidas pela escusa e descumprimento legal, como, por exemplo, o lamentável caso da jovem indígena Yanomami afluído em 2022. Em suma, a transfiguração do Direito corresponde à transformação do estado da matéria, fisicamente fomentado pelo fogo, gênese da mobilidade proposta por Heráclito e alicerce da dialética marxista. 

Maria Yumi Buzinelli Inaba – 1o Direito Matutino

 

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