segunda-feira, 20 de junho de 2022

Epifanias do ressignificar

 

Certa vez, não inesperada ocasião

Um operador retirou suas luvas,

Rasgou o avental e limpou as suas mãos

Encarou a esteira à sua frente

Deparou-se com os olhares curiosos.

Encontrava-se inquieto

Nunca antes havia sido interpretado.

 

Em direção à porta, ele despediu-se.

Ao lado do instante do adeus, ficaram para trás

A sua depressão, as engrenagens,

Suas relações de produção,

As noites exaustivas após o expediente,

Seus turnos de dezesseis horas,

Sua segurança e, com ela,

O seu título de legítimo cidadão.

 

Eles disseram que ele teria o seu nicho

Eles asseguraram que seria feliz e digno

Eles afirmaram... enfim.

Hipóteses já não mais possuíam importância.

Ele ousou almejar existir como o planejado

Em troca, recebeu o extremo contrário:

Inadequação com o sistema.

 

Ideias e anseios quase o arruinaram.

Contudo, isso não mais aconteceria

Ele, ao ultrapassar a última porta,

Após ter sentido a densidade da poluição,

Tendo enxergado o vermelho acinzentado do anoitecer,

Tendo escutado os rumores do início da vida noturna,

Sentiu os sussurros do vento chamarem-no.

 

Lembrou-se das suas inclinações anteriores

Ouviu o seu eu do passado sedento por luz.

No âmago do recordar, buscou uma memória.

Queria ser escritor.

 

Antes que o seu gerente, irremediável e ranzinza,

O pegasse e o sufocasse por ter paralisado a Mecânica

Ele subiu em sua bicicleta, encarou o horizonte e

Partiu em direção à casa de sua mãe.

Naquele dia, pela primeira vez, apresentaria uma novidade:

Ele seria feliz. 

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