domingo, 19 de junho de 2022

Entre ser ou não ser, consumir parece ser a questão

Obra de Willian Shakespeare, “Hamlet” apresenta ao público, uma das maiores indagações do homem: “Ser ou não ser?”, agir ou não agir? existir ou não existir? Nesse sentido, na contemporaneidade, observa-se que essa pergunta pode ser colocada com base em diversas relações sociais presentes no mundo globalizado. Dessa forma, uma das preocupações construídas socialmente aos seres humanos se apresenta pela forma como se é visto socialmente, a preocupação com a autoimagem, panorama pelo qual o sistema capitalista de produção aparenta fazer esbanjo uso, dados inúmeros produtos relacionados com a autoimagem no hodierno. Nesse ínterim, faz-se imperiosa analisar como a indagação de Hamlet se coloca no mundo atual, de maneira a analisar não só a questão da alienação e produção do trabalho contemporâneo – tratada pela teoria de Marx e Engels – como também sobre o tópico de preocupação com autoimagem e personalidade dadas pelo consumismo.

Em primeiro plano, é preciso destacar como a teoria de Marx e Engels se aplica quando se discute acerca da questão da Alienação que os modos de produção Capitalistas introjetam na vida do ser humano. Nesse panorama, de acordo com esse pensamento, o homem anterior à solidificação desse sistema se mostrava, muitas vezes, dono de seu oficio, o mais frequente exemplo, os artesões que detinham dos meios para produzir seu trabalho, cada produto era único e, feito à mão, impossíveis de serem refeitos em perfeição, o ser-humano detinha, por meio desse processo, uma forma de se “exteriorizar”, nos traços, materiais e formas, ele poderia expressar sua personalidade no produto feito. No entanto, com a vinda do sistema capitalista, o ser-humano se torna alheio aquilo que ele produz, de modo a construir peças em linhas de produção sem nexos, de forma independente do resto da produção, ou do produto final. Nesse panorama, tal pensamento e sentimento de alienação se entende aos demais campos da vida, da educação à política, com isso, o ser humano busca uma reconquista e formação dessa “exteriorização”, por meio do consumismo, como um arcabouço que, em tese, sanaria angustias, tal como um analgésico, e poderia trazer um pouco do sentimento de pertença e personalidade ao indivíduo. Assim, observa-se que o ser humano busca no consumo a solução dos problemas adquiridos pela falta dos sentimentos decorrentes do processo de alienação, colocando-o, dessa forma, como um servidor das compras, no qual o “ser” depende do que se compra e de quem se compra.

Ainda, é importante destacar como o modo de produção capitalista está socialmente incrustado no pensamento deste mundo globalizado. Nesse sentido, faz-se importante ressaltar que a rapidez das comunicações, da produção, o desmanche no ar daquilo que muitas vezes era considerado solido, tais como carreira e produção, influenciaram a maneira como a nova sociedade se molda a partir dessas relações. Nesse panorama, tal mudança se dá de maneira com que os indivíduos, uma vez inseridos em uma sociedade, tendem a serem colocados nas Instituições Sociais - como família, igreja, escola – desde crianças, para que aprendam as normas daquela sociedade que, atualmente, é pautada na agilidade, rapidez e, principalmente, na produção, sendo ensinados a produzir, mostrar resultados, tentar seguir os moldes do sistema de modo a não “ficar para atrás” em um processo em constante mudança. Nesse panorama, a exteriorização de uma personalidade por meio de roupas, acessórios, consumo de bens imateriais como filmes, musicas é colocada como uma forma de produção, o pensamento é condicionado para aceitar, programar, comprar, “postar” nas redes sociais, como se fosse uma “linha de montagem” de como o individuo será visto socialmente, quem detém do melhor produto nesse processo é aquele que é colocado com fãs, seguidores, uma pessoa vista como alguém que é “amada”, cumprindo, com sucesso, os ideais passados institucionalmente. Nesse panorama, os indivíduos são ensinados a trabalhar, a render, produzir, comprar, e aqui em colocar o consumo como medicamento que sana as feridas, desde a infância, quando uma criança tem que ser vacinada, por exemplo, os pais compensam a dor da infante com a compra de “um brinquedo novinho”! Ora, logo esses comportamentos de consumo e produção são introjetados desde o nascimento do ser, e são reproduzidos até sua morte, só se pode existir no “Ser” se consome, e o “não ser” a própria anomia daquela sociedade na qual é colocado.

Outrossim, é válido ressaltar como que, na Sociedade Capitalista, só se representa algo caso se consuma. Nesse sentido, o valor simbólico agregado a compra se torna algo preocupante nos tempos atuais, isso se dá uma vez que o comprar se tornou um representativo que todos no sistema buscam, o fim prático do trabalhar está no comprar, esbanjar riqueza por meio de compras em marcas caras, marcas essas que detém de grande influência como a Nike, Apple, Zara, atuam como se a posse de mercadorias delas colocassem o indivíduo em um patamar superior, no qual todos desejariam estar. Além disso, só o consumo poderia indicar o grupo social e a “tribo” de alguma pessoa, atualmente, se possui-se como base o consumismo, um exemplo, alguém que se identifica com as ideias do grupo “emo” só consegue se inserir naquele grupo se consumir roupas, acessórios, sapatos, comuns ao daquele grupo. Logo, observa-se que o consumo se encontra introjetado nas vidas humanas, até como forma de demonstração de poder e expressão de ideais.

            Depreende-se, portanto, que as questões que tratam acerca do consumismo estão intrinsecamente ligadas com a tese da Alienação de Marx e Engels colocadas a luz da analise da sociedade capitalista de produção. Nesse interim, é importante a reflexão acerca de como essas relações se colocam hodiernamente de modo a ressaltar o necessário cuidado referente ao consumo no que se coloca como forma de produção, expressão de personalidade e analgésico para feridas. Destarte, verifica-se que no mundo capitalista hodierno o “Ser ou não ser” de Hamlet se coloca de modo com que só se é algo se é capaz de consumir, e se não o faz, infelizmente para essa sociedade, se coloca como invisível, ou seja, entre o “Ser ou não ser” o consumir parece ser a questão.



Larissa Vitória Moreira, 1º Semestre Noturno - Direito UNESP

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