domingo, 22 de maio de 2022

Exemplo seletivo

O São João não era o bairro mais perigoso da cidade, mas ainda sim era um bairro perigoso. A maioria das pessoas ao redor normalmente evitava passar por ali, mas Paulo não tinha escolha, sua casa era a 34b, ficava nos fundos, era a penúltima da rua e todos os dias após o fim da aula, tinha que pegar dois ônibus para chegar até ali, para logo depois do almoço andar mais alguns quilômetros para chegar no trabalho e finalmente poder descansar. Ainda que seja uma rotina complexa para um estudante de ensino médio, sua mãe acreditava que compensava muito mais para ele estudar em uma escola particular no centro do que nas que tinham no bairro, seu irmão havia estudado lá e não conheceu as melhores companhias, acabou preso e sua mãe se culpa todos os dias, por isso trabalha até cair. 




- Tarde, mãe. - O menino entra e senta na cadeira da cozinha, sua mãe está terminando sua marmita, ela pegou o turno da noite hoje e mesmo com o cansaço, percebe a tristeza no olhar do filho. 




- Tarde nada, Linho, que que foi? 




- Mãe, eu sou esquisito? 




- Que bobage é essa meu filho? Da onde cê tirou isso? 




- Me chamaram de anomia social na escola hoje. 




-E o que é que é isso? Explica direito 




- A gente tá aprendendo sobre Emile Durkheim nas aulas de sociologia, pra encurtar, ele foi um cara que falava que a sociedade funciona de um certo jeito e que todo mundo tem que agir desse jeito, que é o fato social e quem não age desse jeito dele aí, faz parte de uma tal de anomia. - ele pausa - mas mãe, essa anomia, o professor deu exemplo de terrorista que é isso sabe? De gente que se mata, só coisa ruim. 




- E por que motivo você seria isso meu filho?




- Ah, mãe, eles tavam falando do meu cabelo, que ele é muito cheio, que a minha pele é muito escura, que eu falo esquisito sabe? Falaram até do Pedro, que tá atrás das grades, que ele tá servindo de exemplo pra sociedade ou algo assim, que o governo usa pessoas como ele pra mostrar pra galera o que acontece com quem descumpre a regra sabe? Eu fico muito pra baixo com isso. - Ele olha para baixo - porque querendo ou não, quem acaba usando de exemplo é a gente e pessoas como nós né ,mãe?! A gente vê que o Durkheim tá certo em dizer que essas pessoas mostram o que não deve ser feito, mas ele tá errado em dizer que todo mundo que tá errado aprende a lição. E esses cara da televisão? Todo dia investigado por corrupção? Mas eles nunca são presos, nem tão preocupado. Sabem que o estado sempre vai alisar pro seu lado.  




- É, meu filho, a vida é difícil. Todo dia a gente vê alguém aqui do bairro sendo levado ou parado, querendo ou não esse sofrimento já virou parte desse fato social aí que você falou, o preconceito né, que a galera fala. Se for parar pra observar, meu filho, sempre foi parte do fato social o preto ser preso, ser chacota.  




O menino apenas concorda, já estava atrasado para ir pro trabalho, mas fazia tempo que não conseguia conversar com a mãe, ainda que o assunto não fosse dos melhores. 




- Mas olha, Linho. - a mulher continua - pelo que eu entendi da teoria desse moço. O fato social é algo criado de gente que discrimina a gente, meu bem. Pra eles é muito fácil falar que serve de exemplo e o que é errado ou fora da curva pra um menino que não veio de lá e só alcançou, mas eu vou te falar meu coração, se o fato social é racista, você fazer parte da anomia, é revolução meu filho. 

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