quarta-feira, 20 de abril de 2022

Superficialidade: o lado negativo do positivo

 

        Revolução Francesa, Primavera dos Povos, Revolução Russa: eis alguns exemplos de eventos que marcaram a história. Há uma semelhança entre eles: a insatisfação de povos com um regime que os menosprezava e fornecia-lhes condições indignas de existência. Visando o rompimento de uma ordem opressora e, por conseguinte, progredir na busca por governos democráticos, conflitos – físicos e políticos – foram travados. De fato, esse é um padrão que se repete na história. Notamos, portanto, que ordem não pode sempre estar diretamente relacionada com progresso, já que manter a ordem de privilégios para uma classe dominante implica apenas em desordem e retrocesso para minorias. Entretanto, ao chegar a tal conclusão, contrariamos princípios básicos do pensamento positivista, desenvolvido por Augusto Comte no século XVIII, que considera a ordem como ferramenta de atingir o progresso.

            Em sua obra “Curso de Filosofia Positiva”, o criador da “física social” afirma que a base para tal pensamento é buscar as leis efetivas dos  fenômenos sociais. Contraditoriamente, Comte não busca analisar a origem de tais acontecimentos, o que impossibilitaria uma clara percepção de mundo. Para ilustrar melhor, pensemos nas duas grandes guerras mundiais do século XX. Sabe-se que um dos principais motivos para a eclosão da Segunda foi a ascensão do nazismo alemão. Entretanto, como poderíamos compreender tal surgimento sem conhecermos as causas do forte sentimento nacionalista dessa nação? Tal entendimento só seria pleno se soubéssemos como terminou a Primeira Guerra Mundial, considerando o Tratado de Versalhes como um dos principais fatores para o sentimento de “revanchismo” no território germânico. Ora, assim é a história: uma grande rede de acontecimentos – lineares ou não – que levam a outros. Logo, fica explícito que não é possível chegar ao fim (conhecer as leis que regem os acontecimentos) sem passar pelos meios (os motivos dos acontecimentos anteriores).

            Ademais, uma própria análise do racismo estrutural presente na sociedade brasileira mostra a improcedência da tese positivista. De que adianta apenas constatar que tal problemática é presente na contemporaneidade se não buscarmos suas raízes históricas a fim de compreendê-la para erradicá-la? Novamente sob uma perspectiva histórica, é válido ressaltar como a má realização do processo de abolição da escravatura contribuiu para a marginalização da população negra, o que acabou por impedir a ascensão social de muitos. Tal análise não seria realizada sob um pensamento positivista. Dessa forma, fica a dúvida: para que se busca o conhecimentos das leis que regem o universo social se suas causas não são analisadas? Qual a finalidade do conhecimento senão a de buscar um tratamento justo e igualitário? Uma análise positivista poderia ser considerada uma “análise de cabresto”, em que não se olha para os lados, apenas para a frente numa falsa ilusão de alcançar progresso e melhorias sociais com isso.

            Dessarte, é indubitável afirmar que há um equívoco na forma positivista de se analisar o mundo. De fato, suas bases foram essenciais para o desenvolvimento das Ciências Sociais. Entretanto, buscar apenas regras sem uma análise crítica da sociedade impossibilita a busca pelo progresso, visto que a base do conhecimento será rasa, não identificando as causas e formas de lidar com as principais mazelas sociais. O verdadeiro progresso não vem unicamente da observação de um fato, mas sim do uso do conhecimento para confrontar uma ordem opressora.

Mateus Gratão Fogassa de Souza

Direito - Turma XXXIX Matutino 

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